1 SALAZAR

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O sol iluminava a planície. O outono mostrava-se particularmente clemente e a grama ainda estava verde e viçosa enquanto ondeava roçando nas muralhas da cidade como marem calmaria. 

  No terraço no topo da torre, Nihal aproveitava a brisa da manhã. Era o lugar mais alto em toda a Salazar: tinha-se dali o panorama mais completo da planície que se desenrola vapor muitas léguas, a perder de vista. Naquela desmedida extensão a cidade sobressaía imponente com seus cinquenta pisos de casas, lojas, estábulos. Uma única imensa torre que compreendia uma pequena metrópole de quinze mil habitantes, apinhados em suas mile duzentas braças de altura. 

  Nihal gostava de ficar lá em cima sozinha, com o vento a embaraçar os seus longos cabelos. Sentava na pedra de pernas cruzadas, os olhos fechados e a espada de madeira apoiada num flanco, como costumam fazer os guerreiros de verdade. Quando estava lá no topo, Nihal sentia-se como que apaziguada. Podia concentrar-se em si mesma, sem pensarem mais nada, só entregue aos seus pensamentos mais recônditos, àquela vaga melancolia que às vezes se apoderava dela, ao lento murmúrio que de vez em quando parecia surgir do fundo da sua alma.

 Aquele, no entanto, não era um dia para devaneios. Era um dia de combate, e Nihal olhava para a planície como um comandante desejoso de lutar.


  Eram uns dez garotos, com idades entre dez e doze anos ou pouco mais. Todos meninos,e ela menina. Todos sentados, e ela de pé no meio deles. O chefe: uma garotinha desengonçada e esguia, com vivazes olhos violeta, fartos cabelos de um azul metálico e desproporcionais orelhas pontudas. Ninguém poderia suspeitar da sua força, olhando para ela, mas os garotos a idolatravam. 

– Hoje vamos travar combate entre as casas abandonadas. Os fâmins estão reunidos ali, se sentindo os todo-poderosos. Não sabem de nós e não estão esperando a nossa chegada: vamos pegá-los de surpresa e escorraçá-los com a força das nossas espadas. 

A turma escutava atenta. 

– Qual é o plano? – perguntou o mais gorducho. 

– Vamos descer todos juntos, em formação compacta, até o andar acima das lojas,depois cortamos caminhos pelos dutos de manutenção atrás das muralhas; assim,chegaremos diretamente ao esconderijo deles. Vamos pegá-los pelas costas: se conseguirmos nos aproximar sem fazer barulho, vai ser brincadeira. Eu guiarei o grupo;atrás de mim, a tropa de assalto. – Uns dois ou três garotos anuíram convencidos. – Logo a seguir, os arqueiros – e três meninotes de estilingues nas mãos acenaram concordando– e finalmente a infantaria. Estão prontos?  

  Um coro ressoou entusiástico. 

– Então vamos! 

Nihal brandiu a espada e jogou-se no alçapão que ligava o terraço da torre às escadas, acompanhada de perto pelo resto da turma. 

Os garotos marcharam em ordem unida pelos corredores do círculo interno de Salazar, entre os olhares condescendentes mas às vezes também enfastiados dos moradores da cidade, que já conheciam muito bem as épicas batalhas de Nihal e do seu grupo. 

– Bom-dia, general. 

Nihal virou-se. Quem tinha falado era um ser mais ou menos da mesma altura que ela, um tanto atarracado, com o rosto inteiramente coberto por uma espessa barba. Um gnomo. Exibiu-se numa espalhafatosa mesura. 

Nihal mandou a turma parar e retribuiu a saudação. 

– Bom-dia para ti também. 

– Mais uma jornada caçando inimigos?

 – Como de costume. Hoje tencionamos escorraçar os fâmins da torre. 

– Pois é, como de costume... No seu lugar, no entanto, considerando o que está acontecendo por aí, evitaria mencionar aquele nome de forma tão displicente. Até mesmo de brincadeira. 

A garota da terra do ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora