9 A VERDADE

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Não conseguia mexer um músculo sequer. Não sabia onde estava e não conseguia entender o que estava acontecendo. Ouvia confusamente uma espécie de ladainha. Uma sensação de calor no flanco. Então viu somente luz. Nada mais.



Estava alvorecendo quando Nihal acordou. Uma débil luz filtrava da janela perto da sua cama. Não conseguia lembrar-se de quase nada. Uma longa viagem por um caminho escuro e apertado, fugindo de alguma coisa. 

As lembranças voltaram de forma lenta e parcial. Lembrou que havia fugido de um exército e que depois fora capturada, mas o quarto onde estava não parecia ser uma prisão. Tentou virar a cabeça. Viu alguém sentado ao seu lado. Fez um esforço para enxergar melhor e distinguir os traços, pois sua cabeça ainda estava anuviada. Afinal reconheceu-o. 

– Nihal, tu acordaste!

 Senar estava pálido e cansado. Queria perguntar-lhe muitas coisas, mas da sua garganta não saía som algum. 

– Shhh. Estás na casa de Soana, não precisas ter medo. Tenta descansar, falaremos quando estiveres melhor. 

Nihal fechou então os olhos e deslizou para um sono sem sonhos que durou todo o dia e a noite inteira. 

Quando abriu os olhos, na manhã seguinte, o sol já estava alto no céu. Nihal reparou que a luz parecia estranhamente pálida. Então entendeu. Havia no ar um cheiro acre e o céu estava encoberto por nuvens de espessa fumaça: depois do saque o exército havia incendiado Salazar. 

Ainda estava muito cansada, mas lembrava-se de tudo. 

Livon está morto. Foi o seu primeiro pensamento. Reviveu com precisão toda a cena.O corpo que caía no chão, aquele monstro que retirava a espada. Fechou os olhos enquanto seu peito parecia estourar: Livon está morto. 

Senar continuava ao seu lado. 

– Como estás? 

– Não sei – respondeu Nihal, e ficou surpresa com a extrema debilidade da sua voz. 

– A ferida era muito séria. É um milagre que tu ainda estejas viva. 

Nihal virou-se para o mago. 

– Como conseguiste salvar-te? 

– Com a magia, Nihal. Mas não foi fácil.   


  Senar contou a Nihal que tinha invocado um encanto de invisibilidade antes de enfrentar as ruelas da cidade. Salazar parecia um formigueiro enlouquecido, os soldados do Tirano estavam em toda parte: não havia nada que ele pudesse fazer. Certo de que Nihal iria procurar Livon, tentara juntar-se a ela, mas o sortilégio exigia energia demais. Escondera-se numa taberna. Ali havia um soldado. Morto. Tirara a roupa dele, pegara a armadura e a vestira. 

– Cheguei à forja tarde demais. Vi Livon, os dois fâmins... depois reparei na brecha na parede e entendi tudo. Fui correndo até a margem do riacho. Quando consegui tirar-te de lá achei quase impossível que tu ainda respirasses. – Senar sorriu para a amiga. – Sorte tua ser tão miúda! Envolvi-te na minha capa, carreguei-te no ombro como um saco e vim para a casa de Soana. Não encontramos vivalma ao longo do caminho. O exército chegara do Leste, nem tinha passado perto da Floresta. – Senar esfregou os olhos vermelhos de cansaço. – Desde que chegamos usei todos os sortilégios de cura que conheço. Passei anoite fazendo isso, esperando que o exército parasse em Salazar e não chegasse até aqui.Então Soana voltou: ela e Fen estavam na fronteira da Terra do Vento quando souberam do exército que avançava. Voltaram correndo, Fen para juntar suas tropas e defender nossa terra, e Soana para avisar a população. Não tiveram tempo, mas isso você já sabe...  

A garota da terra do ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora