7 NA TERRA DA ÁGUA

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A surpresa foi diminuindo pouco a pouco. Já muitas léguas adentro da Terra da Água parecia não haver qualquer mudança significativa no território: estepes, talvez um tanto mais verdes do que aquelas que cercavam Salazar, mas ainda assim o mesmo desmedido e plano oceano de grama. 

Então, de repente e surgindo do nada, começaram a aparecer riachos. Pareciam brotar do solo como sangue a derramar-se lento de uma ferida. No princípio não passavam de regatos, com apenas uma braça de largura e pouco profundos, mas não demoraram a alargar-se tornando-se mais volumosos até se juntar formando verdadeiros rios.

 A água tornou-se a dona absoluta da paisagem: havia rios por toda parte, límpidas nascentes e regatos ainda menores que riscavam a terra como lágrimas. Os cursos de água pareciam de cristal: peixes multicoloridos ziguezagueavam entre as algas e longos caniços dobravam-se ao sopro leve das correntezas. A cor da grama era de uma intensidade ofuscante. Aquele lugar era o reino do verde e da água: uma terra pura, lavada por mil rios e rica de milhares de árvores. 

Nihal olhava à sua volta de olhos arregalados. Voltou-lhe à mente a visão que tivera na clareira: talvez aquela fosse a Terra onde os espíritos da natureza manifestavam todo o seu poder, o lugar onde as florestas espalhavam-se até o infinito. 

– Fecha a boca, Nihal – brincou Senar, mas ele também estava impressionado com todo aquele esplendor.   


  Paulatinamente também apareceram as primeiras aldeias: surgiam em ilhotas criadas pelos ramos dos vários cursos de água e, amiúde, entravam pelos rios adentro com suas palafitas. Parecia que naquela Terra os homens haviam encontrado a maneira mais simbiótica possível para conviver com a natureza luxuriante. 

Senar e Nihal já não sabiam conter sua maravilha, mas o melhor ainda estava por vir.Depois de passar uma boa parte da manhã troteando, os dois viajantes chegaram finalmente diante do palácio mais extraordinário que já tinham visto. 

Era uma espécie de castelo muito maciço, feito de grandes pedras quadradas, que se levantava inteiramente na borda de uma imensa catarata. A água escorria sobre os seus contrafortes separando-se em milhares de regatos que mergulhavam com fúria no abismo,precipitando-se por umas sessenta braças antes de acabar num lago de um azul excepcionalmente profundo. A entrada principal ficava justamente em cima da parte central da cachoeira. Ali, em frente ao castelo, Fen e Soana esperavam por eles.  

  Os visitantes foram recebidos por alguns pajens, que lhes desejaram as boas-vindas e os escoltaram aos seus aposentos, todos contíguos e dando diretamente para o abismo. 

A vista que se desfrutava da janela era de tirar o fôlego: ao debruçar-se Nihal não entendeu se o que via eram as águas do lago ou então o céu que, por algum estranho capricho dos deuses, decidira virar de cabeça para baixo e esparramar-se no chão.

 Ficou ali, embevecida, até que Soana veio bater à sua porta: havia chegado a hora de conhecer os monarcas da Terra da Água. 

Soana levou Senar e Nihal até o coração do palácio: uma sala perfeitamente circular,encimada por um teto hemisférico de cristal sobre o qual escorria a água da cachoeira. 

Parecia estar em outro mundo. Senar e Nihal, de nariz para cima, não se cansavam de admirar o movimento da água que alterava e redesenhava os contornos do que estava lá fora, tanto assim que a chegada de Gala e Astreia quase os pegou desprevenidos. 

Nihal nunca tinha visto uma ninfa da água. Astreia caminhava como que levada por uma suave brisa e parecia não pisar no chão: estava descalça e uma veste impalpável envolvia seu corpo esguio. Tinha cabelos transparentes, parecidos com a água mais pura,que se dissolviam muito longos no ar circunstante após descrever amplas volutas. Era evidente que o seu mundo não era o dos homens. A rainha da Terra da Água era uma direta emanação da natureza, uma sua filha predileta. 

A garota da terra do ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora