Depois de nossa conversa na mercearia, minha convivência com Jeremy apaziguou. Descobrimos não ter nada em comum, o que ocasionou discussões divertidas sobre várias coisas. Por exemplo, Jeremy estava para diplomacia tanto quanto eu estava para vingança. Ele preferia salgados e eu, doces. Jere exalava calmaria e eu não conseguia ficar quieta por muito tempo. Formávamos uma boa dupla.
Durante o jantar, inúmeras vezes Rosa demonstrou seu contentamento por Jeremy e eu termos ido a Chipping Campden juntos. Ficou repetindo o quanto aquilo era lindo e admirável, que um jovem casal estivesse tão disposto a fazer isso funcionar. Mesmo que não tenhamos ido juntos por esse motivo, fiquei contente por ela ter ficado tão animada.
Depois do jantar, meio que por rotina, todos íamos à sala principal. Lá havia um piano grande e reluzente, alguns jogos e livros e uma grande lareira. O Sr. e a Sra. Declair sempre iniciavam uma partida de gamão, enquanto Jeremy colocava-se a ler. Às vezes eu lia, mas rapidamente me entediava. Jogar com a Rosa e o Dick estava fora de cogitação, pois eu me tornava uma grande vela no nosso esquema rotatório. Portanto, geralmente eu tocava o piano.
Minha mãe, Angela, havia me ensinado quanto era viva. Ela era uma excelente musicista e tinha uma voz quase angelical. Angela criou a mim e Alan sozinha, pois nosso pai morreu assim que eu nasci. Mamãe era o tipo de pessoa que todos gostavam. Ela tinha o mesmo sorriso brilhante do Alan, olhos azuis gentis, que se estreitavam quando ela sorria, e longos cabelos pretos ondulados. Muito linda - bem parecida com Alan. Minha mãe não namorou ninguém depois que papai morreu. E esse era seu único defeito: ela não seguiu em frente. Todo o resto era perfeito e digno: ela era boa, honesta, gentil e carinhosa.
Sua morte teve um grande impacto em nós. Alan se tornou muito parecido com ela, adquirindo todas suas virtudes e valores. Minha reação foi outra. Mesmo sendo a melhor pessoa do mundo, minha mãe morreu. Portanto de que valeu todo o sacrifício? Por isso sempre fiz o melhor para mim e nunca me doei para os outros.
Sou tirada de meus devaneios por uma mão abando meu rosto. Jeremy me encarava questionador, dizendo:
- Você está bem? Parou de tocar de súbito. - Devo ter ficado aérea por alguns segundos, pois nem percebi que parei de tocar.
- Ah, sim! - Sorri para ele e voltei a dedilhar as teclas. Observei a minha volta e notei a ausência dos Declair mais velhos. - Onde estão seus pais?
- Foram deitar-se. - Jeremy moveu-se da frente do piano, voltando ao seu livro e a sua poltrona de costume.
Observei seus traços perfeitos e continuei a tocar. Ela sentava-se com as pernas cruzadas, possuía uma feição séria e passava seu dedo indicador direito incansavelmente pelo meio da testa, parando só para virar as páginas.
- Vai fazer um buraco na testa desse jeito, Jeremy. - O vi levantar a cabeça confuso e pronunciar "hã?". Provavelmente não ouviu o que eu disse. Ri-me e sai de trás do piano. - Vamos jogar gamão?
- Ah, sim... - Concordou relutante e caminhou até a mesinha onde seus pais habitualmente ficavam.
Iniciamos uma partida silenciosa. Eu ganhei. Outra partida. Outra vitória minha. Permanecemos nesse ritmo até Jeremy jogar as mãos para o alto em sinal de desistência e declarar:
- Você só pode estar trapaceando! - Eu estava. Discretamente.
- Veja só quem é um mal perdedor! - O acusei. - Aceite, Jeremy. Dói menos. - Sorri docemente. Ele apenas me fitou de rabo de olho, não me comprando.
- Certo, Ana. Vou me deitar. Você vem?
- Oras, oras! Veja só quem nem se casou e quer dormir com a noiva... - Disse só provocar, vendo o corar até as orelhas.
- N-n-não foi isso... - Jeremy fechou os olhos e suspirou alto, me fazendo soltar uma gargalhada. - Não foi isso que eu quis dizer. - Pronunciou mais calmo.
- Sei, sei. - O encarei cinicamente. - Mas, respondendo sua pergunta, eu vou também.
Nos encaminhamos para a porta da saleta de jogos silenciosamente e partimos para nossos respectivos quartos - o dele era em frente ao meu, portanto fizemos o mesmo caminho.
Parado em frente à sua porta, mas virado para mim, Jeremy pronunciou "boa noite". Disse "boa noite" de volta e observei-o girar a maçaneta. Antes de completar a volta e abrir a porta, seu olhar se voltou novamente a mim e ele sorriu.
- Espere um pouco, Jeremy! - Seu corpo girou prontamente em minha direção e seus olhos adquiriram tom que questionamento. Caminhei apressadamente até ele, peguei seu rosto em minhas mãos e uni nossos lábios. Por um instante senti-o aflito sob minhas mãos. Em seguida, ele cedeu, movendo suavemente sua boca sobre a minha.
Segui seu ritmo calmo e, acredite, não é do meu feitio seguir os outros. Naquele momento, surpreendi não só a Jeremy com o beijo, mas a mais mim mesma também. Suas mãos repousaram sobre minha cintura e me puxaram para ele. Jeremy não aprofundou o beijo, como achei que faria, mantendo o compasso. Não foi um beijo molhado, cheio de tesão, mas intenso e muito gostoso, me fazendo arfar no final.
Me recompus como pude e finalizei nossa noite:
- Agora sim, boa noite, Jeremy. - E adentrei meu recinto com as pernas instáveis.
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Perdida no tempo
RomanceMeredith Snigler acaba sendo cobaia de um experimento de seu irmão cientista, Alan, e devido a um erro vai parar no século XVIII. Toda sua rotina de festas, nada para fazer e despreocupações acaba ali. Sem ter como se comunicar com Alan, a jovem lon...