Capítulo 21;

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POV Shirley

Assim que as suas palavras ecoaram na escadaria, algo mudou dentro de mim. Senti-me ser invadida por uma sensação confortável, quase como se tivesse acabado de beber o primeiro gole de chocolate quente numa noite fria. Mas assim que ponderei o seu significado, a sensação desvaneceu completamente, e apressei-me a afastar da minha mente alguns pensamentos impertinentes. Como é possível eu ter acreditado, por uns segundos que fosse, que ele estaria a falar a sério? E mais, como é possível que isso tenha provocado em mim uma sensação agradável?

- Essa teve graça. - Respondi, numa tentativa falhada de parecer indiferente.

Ele sentou-se no último degrau da escada e acendeu um cigarro, expelindo uma nuvem de fumo que logo o envolveu, ocultando qualquer expressão no seu rosto.

- Não era suposto.

- Não se brinca com essas coisas, Zayn.

- Quem te disse a ti que estou a brincar?

Os olhos dele deteram-se nos meus por uns segundos, até que os desviei, constrangida.

- Tu não podes gostar de mim...só...não podes.

- Por que não? - Agora parece curioso, com os olhos amendoados bem despertos, e uma pequena ruga no meio da testa. Seria capaz de ficar a olhar para ele o tempo todo sem me cansar, de tão variadas e interessantes que são as suas expressões. Não se pode dizer que o Zayn seja uma pessoa transparente, mas à medida que passo mais tempo com ele torna-se mais fácil lê-lo, como se de um processo de aprendizagem se tratasse.

Aprendi que quando comprime os lábios numa linha fina está chateado com algo, que quando se intriga a sua testa forma uma pequena ruga ao centro e os seus olhos abrem mais que o normal, e quando está embaraçado desvia o olhar e fala mais rápido. Até então nunca ninguém me havia parecido tão rico em detalhes, mas quanto mais o observo mais sinto que há para ver.

- Não faz sentido, tu odeias-me.

Ele abanou a cabeça algumas vezes, como quem endireita os pensamentos.

- Eu não te odeio, Barbie. Eu não te conhecia...

- Tu não me conheces. – Rematei friamente, tentando conter as emoções desordenadas que parecem florescer dentro de mim. O que se está a passar comigo?

Em silêncio, ele prende o cigarro no canto da boca e abre a mochila que trazia consigo, retirando de lá um leitor de cassetes já gasto.

- Não consigo pensar sem música. – Explica, estendendo-me um dos fones enquanto coloca uma cassete no interior.

A música "What's Up" das 4 Non Blondes preencheu o silêncio,enquanto ele ponderava as palavras antes de as proferir. 

 -Tens razão, eu não te conheço. Mas sei que as tuas mãos mexem de mais quando estás entusiasmada com alguma coisa. Sei que reviras os olhos quando alguém de quem não gostas se dirige a ti; que mordes o lábio quando estás nervosa, e que não gostas de iogurtes de morango. Sei que ficas nervosa ao lado de animais grandes, que gostas de alturas e de velocidade, que tens medo de fritar douradinhos porque o óleo pode saltar e queimar-te. Sei que gostas de maquilhagem como eu de música. É a tua arte, e sei o quanto te magoa que as pessoas não percebam como isso te faz feliz. Sei dizer cada verdade que me acabaste de contar, e sei também que depois de hoje vais conseguir suportar melhor o medo do escuro. Sei que gostas de ter as coisas sobre controlo, mas que ao mesmo tempo gostas de ser surpreendida. É uma mistura estranha mas que resulta se a pessoa estiver atenta aos sinais que vais mandando...és previsível, mas num sentido curioso, quase fascinante, como se a tua previsibilidade fosse algo distinto, novo, improvável.O meu coração dispara ao ouvir as suas palavras e dou por mim a olhar para ele, completamente incrédula,consciente da verdade em cada uma das suas palavras. Estou errado? –Perguntou, sorrindo ligeiramente. 

(Un)forgettableOnde histórias criam vida. Descubra agora