Pov Harry
Abri lentamente os olhos e pisquei-os algumas vezes, procurando ambientar-me à luminosidade que entrava pela janela. Demorei uns segundos a perceber onde me encontrava, mas assim que detive o olhar na decoração principesca do quarto, as memórias disparam a uma velocidade estonteante. Parece que durante esta viagem perdi a noção do tempo, mas é sem esforço que recordo que estamos precisamente a 7 de Fevereiro de 1996, a um dia do evento que me arrastou nesta aventura: a convenção das máquinas de flippers. É com alguma tristeza que imagino o Paki e a Thirteen a dançarem ao som dos Beach Boys, mas logo afasto esses pensamentos mais melancólicos.
Nos últimos dias as dores de cabeça têm-se tornado quase insuportáveis devido ao volume de nova informação que estou a reter por dia. Deixo-me ficar alguns minutos deitado na cama, contemplando a paisagem que se estende para lá da janela, enquanto a velocidade dos meus pensamentos vai abrandando.
Quando me sinto mais calmo, levanto-me lentamente e dispenso quinze minutos num banho relaxante. Sei que tenho mil e uma coisas a ocupar-me o pensamento, mas concentro-me em limpar a mente por uns momentos antes de me lançar de cabeça na tarefa complicada de ajudar Joseph a encontrar a neta.
Ainda não encontrei um argumento plausível para justificar esta decisão: não consigo explicar, nem para mim mesmo, o facto de estar a quilómetros de casa a ajudar um desconhecido a desvendar o paradeiro da igualmente desconhecida neta dele, e isso deixa-me desconfortável, como todas as coisas que não entendo. Nunca me considerei uma pessoa particularmente altruísta, pelo simples facto de achar que não existe ajuda desinteressada, e ao estar a fazer algo que não me traz qualquer vantagem acrescida só prova que devo estar cada vez mais próximo de perder o juízo.
Depois de vestir a mesma roupa do dia anterior abandonei o quarto, e estava a descer as escadas, quando uma melodia harmoniosa me travou a meio do caminho. Aventurei-me a descer mais um pouco, observando ao longe o velho curvado sobre um piano de cauda, deslizando agilmente os dedos enrugados sobre as teclas.
Nunca antes havia ouvido aquela música, e sentei-me silenciosamente num dos degraus, permitindo-me desfrutar de um momento quase comovente.
- É bonita, não é? – Depois daquilo que me pareceram ser horas, a voz de Joseph despertou-me bruscamente.
- Hmm...sim...desculpe. – Balbuciei, envergonhado, enquanto me punha de pé e descia apressadamente as escadas.
- Foi a nossa governanta da altura, a Miss Lizza, que compôs como prenda do primeiro aniversário da Bee. Uma governanta que toca piano...sempre invulgar, aquela senhora. Aprendeu a tocar num bar de Jazz durante o dia, quando ficava a limpar as instalações. Tratou da Celleste e da Sarah quando elas eram pequenas, e acompanhou também o crescimento da Bee... enquanto ela esteve connosco...– Explicou ele, fechando a tampa do piano. - Era uma senhora maravilhosa, uma verdadeira avó para a Bee. É certo que a miúda adorava do fundo do coração a minha Margareth, mas elas não passavam muito tempo juntas...a minha Maggie sempre foi muito reservada, gostava de estar no mundinho dela, sabes? Então a Bee cresceu com a mãe, é certo, mas sobretudo com Miss Lizza, pois foi ela que a ensinou a fazer tudo... Acabou por falecer alguns anos depois do desaparecimento da Bee, que lhe causou um desgosto profundo... mas deixou esta música que ainda hoje me toca no coração.
- É uma melodia lindíssima. – Confessei, ligeiramente constrangido. - Como se chama?
- Serendipity. – Respondeu ele, com uma expressão dolorosa no rosto. Depois de uns segundos de silêncio, Joseph tossiu para clarear a voz, e bateu as mãos uma na outra:
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(Un)forgettable
Dla nastolatków"Dizem que quem conta um conto acrescenta um ponto. Mesmo as vossas memórias, não são mais do que aquilo que escolheram lembrar de um passado que nunca será recordado exatamente como aconteceu. Mas comigo é diferente: o meu nome é Harry e eu não acr...