A verdade

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Quando eu acordei, estava deitada numa cama improvisada ao lado do Alan e com uma folha de bananeira amarrada na cabeça.
— Ajuda a cicatrizar os ferimentos — disse uma voz masculina.
Virei-me para o lado para ver de onde vinha aquela voz e me assustei com o que vi.
— Ai meu Deus, fique longe de mim! — gritei assustada.
— Calma, calma! Eu não quero te machucar— disse o homem que tinha me perseguido no bosque.
— Como eu posso saber se você falar a verdade?
— Você acha mesmo que se eu quisesse seu mal você ainda estaria aqui?
— Hum... Pode ser — disse desconfiada
— Eu nunca te machucaria, princesa! — ele disse levantando a manga da blusa que escondia uma marca de nascença em formato de uma flecha, como a que eu tinha no na palma da mão, e fazendo uma referência.
— Princesa!? Acho que você está me confundindo com alguém.
— Eu acho que não... — ele disse apontando para a minha marca de nascença.
— Só os integrantes da família real tem a marca na mão.
— Do que você está falando?— perguntei assustada.
— Hum... — Ele falou me olhando com uma com um certo interesse — Quantos anos você tem?
— 15, por que?— Disse se entender onde ele queria chegar com aquilo.
— "Seus pais " — ele falou fazendo sinal de aspas com os dedos — não devem ter te contado ainda, devem estar esperando você fazer 16 anos, que é a idade em que os jovens têm permissão para voltar para o reino...
— Dá para você me explicar o que papo é esse? — Eu falei irritada, me lembrando daquele daquela conversa estranha da Lara sobre armas, reinos e guerras.
— Não posso te contar, isso estragaria toda surpresa... — ele disse pensativo.
— Você diz que eu sou sua princesa, certo? Então, eu ordeno que você me conte o que está acontecendo e porque todo mundo está com esses papos estranhos.
— Okay, okay...— ele falou parecendo convencido — Eu te explico. Só não sei se você vai acreditar, geralmente a primeira reação é a negação. Tem certeza que quer que eu mude completamente a sua perspectiva de vida?
— Fala logo, eu já cansei das pessoas mentirem pra mim tentando me proteger — falei lembrando que nunca me disseram qual foi a real causa da morte da minha mãe.
— Eu vou te contar, mas depois não diga que eu não te avisei.
— Okay, okay, tanto faz... — disse cheia de tanta enrolação.
— Você não questionou porque a nossa cidade se chama Warisland ? Nossa cidade fica bem no centro de um bosque que cobre toda a ilha de Valentina. Valentina foi uma mulher, que no final do século XV, ficou presa com sua família nesta ilha após o naufrágio de seu navio. Nossa ilha fica bem no centro do mar do Caribe, no que os homens lá de fora chamam de triângulo das bermudas, e é completamente desconhecida pela sociedade externa, por isso eles nunca foram encontrados. Valentina, seu marido e seus três filhos terminaram sendo acolhidos pelos habitantes da ilha e com tempo ganharam sua confiança, constituindo um reino e se auto-coroando reis. Quando Valentina e seu marido morreram, os seus três filhos não concordaram em quem seria o próximo a subir no trono e acabaram dividindo o território em três: o territórios gladiadores, que usam espadas; O dos arqueiros, que usam arcos e flechas; E os feiticeiros, que tinham poderes sobrenaturais. Esses reinos, desde então, sempre estiveram em guerras por território, porém, há 130 anos, quando crianças de todos os reinos começaram a morrer por causa da guerra, eles concordaram em criar uma cidade, bem no centro da ilha, para que as jovens de até 16 anos fossem criados longe das guerras pelos protetores, que se encarregam de cuidar deles e lhes ajudar a ter uma vida normal enquanto ensinam a eles o seu futuro dever em seu reino. Após as 16 anos, os jovens saudáveis têm duas opções: eles podem voltar para seu reino de origem, conhecer sua família verdadeira e assumir a função para que elas estão destinadas desde o nascimento ou aqueles que não aceitam muito bem e preferem continuar com suas vidas normais, podem ir embora da ilha de Valentina e voltar a viver com a civilização externa. Quanto aos que decidem sair de Valentina, com o tempo terminam esquecendo tudo o que viveram aqui, só lembram das suas vidas a partir do momento que passaram a viver com a sociedade externa, garantindo assim,o segredo quanto a localização da nossa ilha. Quando os irmãos decidiram dividir o reino cada um deles e o povo que vivia em seus respectivos territórios ganharam uma marca respectiva seu reino. São elas: uma flecha, uma espada e uma triângulo. O lugar da marca determina a função de cada um. A realeza têm a marca na mão, os guerreiros têm no braço, os protetores têm na barriga, E os que nascem sem o dom da guerra e são encarregados de funções como cozinheiros, marceneiros, pedreiros e etc, têm a marca atrás do pescoço.— ele finalmente terminou aquela explicação maluca que parecia ter sido tirada de um livro de história.
— Peraí, então você está me dizendo que meu pai não é meu pai, que meus amigos podem ser meus futuros inimigos e que toda a minha vida é uma farsa? — eu comecei a chorar desesperadamente.
— Eu sei que não é uma boa hora, mas eu avisei que isso iria acontecer.
— Eu... eu... — não consegui processar todas aquelas informações, minha visão começou a ficar turva e eu desmaiei.
Quando acordei já estava de manhã e o homem parecia estar me esperando acordar.
— Bom dia, flor do dia! — ele falou rindo
— Ai meu Deus, eu passei a noite aqui!? Meu pai deve estar muito preocupado
— Seu pai?— ele falou irônico.
— Ele pode até não ser meu pai biológico, mas foi ele que me criou e eu considero meu pai.
— Eu sei... Todos consideram seus protetores os seus pais, pois são eles que nos educam e nos dão o carinho e o amor que os nossos pais biológicos não podem nos dar por estarem preocupados com a guerra.
— Cadê o meu amigo? — Perguntei sentindo a falta do Alan.
— Ele queria esperar você acordar, mas eu disse que te levava para casa depois e mandei ele ir pra casa logo tranquilizar a família. Na verdade, eu o obriguei a ir para casa, ele queria ficar com você, mas com o Henrrique eu me resolvo depois.
— Como você sabe o nome do meu pai? — perguntei surpresa.
— Nós somos amigos a 30 anos. Eu o conheço desde que morávamos aqui em Warisland, só que eu nasci destinado a ser um guerreiro e ele nasceu destinado a ser um protetor, não um protetor comum, o protetor da princesa. — ela falou piscando o olho para mim
— E como vai a sua "mãe", a Marta, eu não a vejo há tempos.
— Ela morreu quando eu tinha uns dois anos.
— Ah... Sinto muito, me desculpe.
— Tudo bem, já faz muito tempo.—falei meio triste— Hum... Posso perguntar uma coisa?
— O quê? Acho que você deve ter muitas perguntas, não é todo dia que nós descobrimos que nossa vida é uma farsa.
— Por que você é um fugitivo? Você não parece ser perigoso.
— Essa é uma longa história... Há vinte anos ocorreu uma grande guerra entre os reinos, onde os feiticeiros se jutaram a nós para se proteger dos gladiadores que estavam tentando dominar toda a ilha. Infelizmente, na época ocorreu um surto de meningite na nossa aldeia. Muitos soldados morreram e nós acabamos perdendo a guerra. Quando os gladiadores ganharam, conseguiram invadir território do Sul e nós fugimos para não sermos mortos nos escondendo nas galerias subterrâneas que só nossos lagos têm. Infelizmente, os feiticeiros não conseguiram lutar sem a nossa ajuda e foram completamente extintos. Há dois dias eu estava vindo para a cidade dar notícias ao protetor da princesa, que ironicamente é o seu pai, quando eu passei pelo atual território dos gladiadores e eles perceberam que eu era um arqueiro. Eles me prenderam para tentar descobrir onde o nosso povo se esconde, porém eu consegui fugir e aqui estou. Mais alguma pergunta, senhorita? Porque eu acho melhor a gente ir andando para a cidade, pois eles não podem tentar me pegar enquanto estiver lá. — ele falou pegando uma garrafinha com água.
— Só mais uma coisa, eu ainda não sei seu nome.
— Carlos VIII, alteza— ele disse fazendo uma reverência.— Podemos ir agora?
— Claro! — disse pegando as minhas coisas e calçando os meus sapatos.
Chegando em casa meu pai veio correndo até mim, ele parecia não ter dormido:
— Onde você estava? Nunca mais me assuste desse jeito, já estava quase ligando para a polícia.
— É uma longa história... Depois eu conto tudo.
— E aí, amigão! Ainda lembra do seu velho amigo?— falou o Carlos, logo atrás de mim.
— É você mesmo, Carlos? Quanto tempo!—disse meu pai esquecendo completamente que estava prestes a me deixar de castigo— O que você está fazendo aqui? Melhor, o que você está fazendo aqui e com a minha filha?
— Por uma incrível conhecidência, eu estava vindo para cá ontem para falarmos sobre a volta da Anna para a aldeia, porquê como você sabe, apartir do momento que colocarmos os pés fora dessa cidade vale tudo, quando eu encontrei com a Anna e aquele amigo dela no bosque. Eles se assustaram e saíram correndo. Eu, com medo de que eles chamassem muita atenção, corri atrás deles para acalmá-los. Enquanto corria, a Anna acabou se machucando e eu a levei ao meu esconderijo para cuidar do ferimento. A propósito... Eu sem querer estraguei a surpresa do aniversário de 16 anos da Anna, se é que você me entende...
— Você... Falou para ela? E como ela reagiu?
— Ela desmaiou, mas pelo menos não entrou em negação...
— Ela desmaiou!?— meu pai perguntou preocupado.
— Sim, pai eu desmaiei. Mas agora eu estou super bem e como o Carlos disse, eu aceitei bem isso. Na verdade... Até que eu gostei de descobrir que sou uma princesa.—respondi, já impaciente com tanta preocupação.
— Okay, depois agente conversa sobre isso. Agora eu quero saber que amigo é esse que você não me contou! — ele falou sério
— Eu disse amigo? Eu quis dizer coruja... Ando muito atrapalhado esses dias... — Carlos disse percebendo que tinha falado demais.
— Tudo bem, Carlos — tentei o tranquilizar— Era só o Alan, pai.
— E o quê você estava fazendo com o Alan no bosque? Achei que você ia sozinha.
— É que eu encontrei ele no caminho... — inveventei na hora
— Sei... Depois a gente conversa sobre isso.— meu pai disse desconfiado. — Agora, vamos entrando, Carlos, você ainda não me disse as notícias da aldeia.— disse meu pai entrando em casa e abrindo passagem para nós.
Segui meu pai e Carlos até o escritório, afinal, o assunto era do meu interesse. Carlos se sentou e abriu um mapa da Ilha de Vitória sobre a mesa:

— Estamos em Warisland. O caminho mais seguro até os túneis subterrâneos é pelo bosque. Mas são 250km e ela não vai conseguir andar tudo isso a pé. Se fosse outra época, antes de perdermos a guerra, ela poderia ir de carroagem com todo o conforto que uma princesa tem direito, mas nesse momento precisamos de algo discreto, pois não temos como trazer guardas para escoltar a ida dela para a aldeia, não podemos chamar a atenção dos gladiadores para o nosso esconderijo.
— Nós podemos ir de cavalos. Eles são rápidos e não chamam tanta atenção quanto uma carruagem. — falei rindo.
— Boa ideia! Posso arranjar três cavalos. A temporada de retorno só é daqui a dois meses, mas os príncipes e princesas podem voltar daqui a uma semana, desde que tenham 16 anos. Quando é o seu aniversário?
— Daqui a... 9 dias — contei nos dedos.
— Ótimo, partimos logo depois disso.— Ele disse animado
— Certo. Agora, eu vou ali na casa da Lara convidar ela para ir assistir ao campeonato amanhã.
— Sei... Na casa da Lara, que por uma incrível conhecidência é a casa do Alan?
— Exato...— falei rindo — Tchau!
Fui até a casa da Lara, toquei a campainha e ela abriu a porta sorridente:
— Anna! Quanto tempo, sumida.— ela falou me abraçando — Se esqueceu de mim, foi?
— Estava treinando para o campeonato.E por falar nisso, é por isso que estou aqui, quero convidar você e o Alan para irem me ver ganhar o troféu dourado. — falei rindo da minha confiança.
— Claro, amiga! Vou falar com ele. — ela saiu correndo saltitante para o quarto de Alan e eu fui atrás— Alan, a Anna está convidando a gente para ir ao campeonato dela amanhã. Você vai, né?
— Eu não perderia por nada!— ele falou piscando discretamente para mim.
Fiz sinal para que ele me encontrasse na casa da árvore, pois ele tinha muito o que me explicar.
— Bom... Eu já vou indo, só vim aqui para convidar vocês. Ainda tenho que treinar.
— Tá bom... Então, eu te vejo amanhã no campeonato.— ela falou triste me abraçando.
Sai da casa dela e fui para a casa da árvore esperar o Alan. Depois de alguns minutos ele chegou:
— O que foi?— ele entrou perguntando.
— Eu quero que você me explique tudo o que você não me explicou ontem.— fui direta
— Mas, você não acreditaria!— ele argumentou.
— Se você me contasse o que? Que existem três reinos inimigos que estão em constante guerra e que no final de cada ano todos os jovens que mais têm mais de desseseis anos vão voltar para suas respectivas aldeias— falei com o tom desafiador.— Ah... Me desculpe, existem dois reinos, porque o seu reino acabou com um deles. E o meu reino, nem assim pode ser chamado, pois o seu povo o reduziu a uma simples aldeia.
— Como... Como...
— Como eu sei?— O interrompi. — Digamos que o "fugitivo" é amigo do meu pai e guerreiro da minha aldeia. Ele terminou me contando a verdade sem querer.
— Ah... — ele falou mais calmo— Bom... Sendo assim, eu posso te contar a verdade. Sabe aquela espada? Ela era do meu pai biológico e está na minha geração de gladiadores há séculos. A visão que você teve foi da sua guardiã. Quando a sua geração de crianças arqueiras estava sendo trazida para Warisland, um exército de gladiadores cercou o acampamento de vocês no bosque para matar as crianças. Sua guardiã conseguiu te esconder a tempo, mas não conseguiu fugir dos gladiadores e foi capturada e levada para o nosso reino, onde ela foi torturada para informar a localização de sua aldeia. Como ela não falou nada, foi decaptada. E quanto a destruição dos outros reinos, eu não tive nenhuma culpa, eu nem tinha nascido nessa época.
— Nossa, quando eu acho que já sei de tudo descubro mais coisas inesperadas. — falei pensativa
— É... Parece que nessa ilha a gente nunca sabe tudo.
— Alan, eu sei que você não tem nada a ver com as guerras e a destruição, só falei porque fiquei com raiva. Mas e nós? Como nós ficamos?— falei mudando de assunto — Porque eu sou uma arqueira e você é um gladiador, somos de aldeias completamente inimigas.— falei triste
— Vamos levando nosso namoro normalmente por enquanto.— ele me abraçou — Ainda temos tempo antes de voltarmos para nossos reinos.
— Okay... Agora tenho que dormir para estar bem disposta amanhã — falei preocupa.
— Verdade, então já vou indo. — ele fez uma reverência e beijou minha mão.
Neste momento percebi uma coisa que até então insignificante. O Alan sempre estava com luvas, mesmo nos dias quentes. Já sabendo o que é aquilo significava, puxei suas luvas com agilidade, surpreendendo-o. O que eu temia era verdade, ele era um príncipe, o príncipe dos gladiadores.
Saí correndo enquanto chorava. Ele tentou vir atrás de mim, mas eu entrei em casa antes. Apesar do meu abalo emocional, tomei um bom banho e fui dormir cedo como se nada tivesse acontecido, não estava nem um pouco afim de perder o campeonato por causa de um garoto.

A herdeira do arcoOnde histórias criam vida. Descubra agora