Capítulo 1

424 40 17
                                    

- Isso não tem graça! - resmungou papai.

Não, graça nenhuma - pensei abrindo a geladeira para pegar uma bebida. Na verdade tão pouca graça que eu gostaria de poder entrar dentro da geladeira, me encolher entre a mostarda e os cachorro-quentes da janta passada, e finalmente fechar a porta para não ouvir mais as vozes irritadas que vinham da sala.

Lá estavam meus pais brigando de novo.

Não que aquilo fosse durar muito - pensei enquanto observava o vapor sair de dentro da geladeira.
Hoje eu sentia que papai finalmente desistiria de tentar. Ele iria embora.

Senti um nó se formar em minha garganta. Engoli a vontade de chorar. Esse seria, definitivamente o pior dia. Entre os vários que estive passando ao longo desses últimos messes. Dentre eles, um cara desconhecido na minha cola, Luke terminando nosso namoro, e papai e mamãe anunciando o divórcio. Caramba, eu estou cheia.

E pra completar a lista, mas não menos importante, seria a volta dos temidos pesadelos noturnos.

- O que você fez com minha cueca? - o grito de papai penetrou na cozinha. Entrei um pouco mais na geladeira, onde pude observar melhor os cachorros-quentes.

A cueca dele?

Peguei uma latinha de refrigerante da geladeira e pressionei contra a testa.

- O que eu iria fazer com sua cueca? - dona Elena perguntou com aquela voz de "não estou nem aí". Era bem a cara de mamãe, ela nunca ligava. Fria como gelo.

Olhei pela janela da cozinha o quintal, onde a pouco tempo eu tinha visto minha mãe.

E ali, na grelha da churrasqueira fumegante, pendia a cueca de papai. Ótimo!

Mamãe tinha feito churrasco da cueca dele. Só isso. Me lembrar de anotar que estará proibido comer qualquer comida que saia daquela grelha.

Tentando segurar as lagrimas, devolvi a latinha de refrigerante ao refrigerador e fui até a porta da sala. Talvez se me vissem parassem de agir como crianças.

Papai estava no meio da sala, segurando na mão uma cueca, e mamãe no sofá, tomando seu chá, com a calma mais interessante do mundo.

- Você precisa de tratamento psicológico! - gritou ele.

Dois pontos para o papai.

Ela realmente precisava de ajuda. Mas então porque era eu que tinha que ficar sentada no divã da pisicóloga duas vezes por semana? Porque é ele que precisa ir embora?

Eu não o odiaria por se separar de mamãe, a Rainha do Gelo. Mas porque não me levava com ele? Outro soluço sufocado na garganta.

Ele virou e me viu, em seguida entrou no quarto, obviamente para guardar o resto de suas coisas - menos a cueca, que naquele momento, fazia sinais de fumaça na churrasqueira do quintal.

Fiquei parada olhando pra ela, que remexia em pastas de trabalho como se aquele fosse um dia igual a qualquer outro.

As fotos emolduradas minha e de papai, na parede acima do sofá, chamou minha atenção e naquele momento senti as lágrimas voltarem nos meus olhos.

- Você precisa fazer alguma coisa - implorei.

- Fazer o quê? - perguntou.

- Convencer ele a ficar! Peça desculpas por ter assado a cueca dele ou... - respirei fundo.

Que lamenta ter água gelada nas veias - pensei.

- Faça qualquer coisa, mas não deixe que ele vá embora.

Midnight • [Book One]Onde histórias criam vida. Descubra agora