2. Um Passo mais Escuro

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-EI, VAI UM POUCO MAIS PRA LÁ... ― IVI CUTUCOU Itham enquanto nós três nos espremíamos no minúsculo guarda chuva de Ivi a caminho de casa depois de ter descido do ônibus ― é só que, estou dizendo. Se você continuar crescendo desse jeito, logo teremos problemas em dividir o guarda-chuva.

― Como se fosse algo que eu pudesse controlar. ― Itham se retirou mais para o outro lado, passando a mochila para o outro ombro. Seus cabelos ruivos voavam em todas as direções, e seus olhos pareciam mais castanho esverdeados que nunca. Haviam respingos de chuva nas mangas de seu moletom _intitulado em letras tremidas FOI SÓ MAIS UMA FASE _, assim como nas barras de minha calça e meu braço direito. Ivi estava no meio, e por isso, estava mais seca que todo mundo.

― Estamos quase chegando... ― os acalmei enquanto tentava vislumbrar nosso bairro por trás das gotas de chuva que caíam com força na calçada.

O amontoado de casas alinhadas da Freeman Ave estava completamente encharcado, e as cercas brancas de madeira pingavam com insistência. Os postes de luz que funcionavam só metade do tempo já estavam acesos, e percebi que os céus estavam muito escuros para a hora do dia. Eram apenas 03hrs da tarde, mas já pareciam ser 06hrs, o horário em que eu e Ivi costumávamos ir até a biblioteca municipal para elaborar as matérias do GEORGE´S COMETA. Naquele dia em especial, não havia como saber se a chuva cederia o suficiente para nos permitir sair. A menos que conseguíssemos um hiate. Tanta água me deixava sonolenta. Tanto, que eu mal via a hora de chegar em casa, me embolar em um cobertor e dormir na frente da televisão, soltando baba como uma represa. E quem sabe comer uma balde enorme de pipocas achocolatadas e assistir a um filme que saiu de moda a muito tempo. E também, nada de temas. Nada de química e Pauling, e com certeza nada de geografia também.

Minha lista de pretensões para o dia só ia aumentando mentalmente quando o barulho de uma caixa de correio sendo fechada com uma pancada me despertou para a realidade novamente.

Era Sra. Greice, fechando sua caixa cinzenta à beira dos arbustos a alguns metros de distância. Ela era presidenta da Associação de Moradores do bairro, e seu cabelo escuro em estilo chanel era famoso por lhe deixar parecida com a Louis Lane, principalmente quando ela colocava aqueles saltos scarpin enormes e aqueles blazers escuros. Seu guarda chuva estampado com rosas balançava visivelmente irritado, e suas enormes unhas vermelhas agarravam o punhado de cartas úmidas com violência.

― Ah, olá crianças. Espero que tenham tido um bom dia molhado.

― Ola, Sra. Greice. Sem dúvidas um ótimo dia de chuva. ― Itham acenou com a cabeça.

Ela revirou os olhos enquanto torcia o nariz para o tempo chuvoso.

― Acho que minha próxima petição na segunda feira devem ser canoas para os moradores da Vila. E possivelmente alguns remos. Vocês deverão passar a ir à escola numa barca.

― Que tal algumas nadadeiras e pés de pato? ― Ivi me cutucou as costelas.
Sra. Greice a mirou de forma cética e rabugenta, como ela sempre fazia com todo mundo.

― Ei, mocinha, não se esqueça de dizer a sua mãe para aparar a grama esta semana e se livrar de todos aqueles pêssegos podres. Se não, os turistas poderão acabar passando direto e indo embora com todo o dinheiro no bolso. Não vou perder minha medalha de Melhor Presidenta da ASS por causa de sua mãe e seus pêssegos.

Ouvi Ivi bufar em silêncio, e eu a conhecia bem demais para ser idiota o suficiente a ponto de lhe dar tempo para falar.

FALANGE _Caminho das Estrelas I (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora