2. Um Passo Mais Escuro [Parte II]

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IVI ESCORREGOU EM UMA POÇA DE LAMA pela vigésima vez.

— Ora... malditos acontecimentos climáticos. Há algo malditamente errado sobre isso tudo... — ela chutou lama pra longe enquanto arrumava seus cachos ruivos em baixo da boina rosa novamente. — se eu der mais um espirro, vou me desequilibrar e acabar com a bunda bem em cima de uma dessas poças ridículas.

Pisquei contra o vento frio, que soprava meu cabelo em todas as direções, menos para a direção certa. Com as mãos enfiadas em punho nos bolsos do casaco, eu tentava digerir pelo menos metade das coisas que vinham acontecendo em minha vida. Patético.  Ao fim da tarde, os cafés ao ar livre que costumavam estar sempre cheios de gente bebericando coca gelada, agora era só um amontoado vazio de cadeiras geladas. Os únicos ambientes habitados, eram os interiores das lanchonetes, onde pessoas tomavam seus chocolate quente ao redor de enormes lareiras.

— Isso já nem parece mais a Califórnia... está parecendo mesmo o início de outra grande Era Glacial... — Ivi resmungou entre dentes enquanto eu tentava constratar aquela cena congelante com minha fissuração bizarra por fogo. Talvez fizesse algum sentido. Talvez... — EVE!!! — Ivi berrou em meus ouvidos de repente, me fazendo pular onde estava.

Foi mais o menos como acordar de um transe.

— Que foi? — minha voz baixa repercutiu em meio ao vento que chicoteava de um lado ao outro, levantando folhas secas do chão.

— Droga. Eu estou aqui falando sozinha a mais de uma hora. Será que dá para me dizer pelo menos uma vez na vida em que você está pensando?

Ivi havia parado no meio da calçada, me encarando com seus enormes olhos castanhos brilhantes e suas bochechas rosadas enquanto segurava seus cadernos com a outra mão enluvada. Engoli nervosismo enquanto refazia a pergunta mentalmente. Em que eu estava pensando?

Nem eu mesma sabia. Era estranho me perder em mim enquanto eu nem percebia de que forma estava perdida. Droga. Até quando eu teria aquela sensação esquisita de não estar totalmente acordada? Até quando haveria uma parte de mim malditamente adormecida, me deixando ver as coisas apenas pelo modo paralelo?

Era como se uma parte de mim tivesse ficado dormindo naquela cama, impossibilitada de acordar e focar as lentes embaçadas de minha visão.

Gaguejei alguma coisa sem sentido enquanto pensava em algo que não fizesse me sentir tão estranha.

— Havana. — soltei o primeiro nome que me veio à mente.

As sobrancelhas de Ivi se uniram.

— O que tem a sua mãe?

— Eu... sinto falta dela. Ás vezes...

Ivi me fitou por um momento, como se decidisse mentalmente se acreditava ou não, e depois de dar um suspiro profundo com ar de “tanto faz”, me deu um leve empurrão enquanto recomeçávamos a caminhar. Ela pareceu divergir no assunto.

— Tudo bem. Eu entendo. Deve ser difícil pra você não poder contar com sua mãe pra nada...

— Isso não é verdade... eu posso...

—Tudo bem, escute, — ela levantou uma mão — De qualquer forma, não foi isso que eu quis dizer. Só ia dizer que lamento que Havana não tenha muito tempo pra você. Eu mesma sei o significado de precisar constantemente de uma companhia materna. — ela suspirou — Mas Havana faz o que pode pra manter sua família de pé, e eu a admiro muito por isso... você sabe.

Lhe concedi um leve sorriso.

— Obrigada. É a mesma coisa que eu costumo pensar... por isso ás vezes eu acho que... droga, acho que não faço o suficiente pra ajudar... eu não faço nada pra ajudar...

FALANGE _Caminho das Estrelas I (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora