Tal era a situação da cidade quando Fantine regressou.
Não tinha mais conhecidos. Mas encontrou um emprego na fábrica. Passou a
viver do seu trabalho e, novamente, teve esperanças.
Alugou um quartinho e fez dívidas para mobiliá-lo. Comprou um espelho, voltou a
sentir orgulho de seus belos cabelos e dentes. Pensava na filha, Cosette, e sonhava com
um futuro melhor. Por não ser casada, não tinha coragem de contar a ninguém sobre sua
filhinha. Entretanto, logo começaram os mexericos. As colegas da fábrica falavam dela
com hostilidade. Como não sabia escrever, Fantine pagava para um senhor redigir suas
cartas aos Thénardier pedindo notícias de Cosette. Uma vizinha conseguiu o endereço.
Viajou para saber a verdade.
- Vi a filha de Fantine! - contou para todos.
A superintendente da fábrica chamou Fantine e a demitiu. Deu uma pequena
indenização em nome do senhor Madeleine, pois ele exigia moral das funcionárias.
Fantine ficou desesperada. Isso aconteceu justamente quando os Thénardier
pediram novo aumento da mensalidade. Além disso, devia dois meses de aluguel e não
terminara de pagar os móveis. É claro que o senhor Madeleine nada sabia da história. Mas
Fantine, humilhada, preferiu não o procurar. Bateu de porta em porta, em busca de
trabalho. Quando seu dinheiro já estava no fim, conseguiu camisas dos soldados para
costurar. A maior parte do que ganhava enviava para os Thénardier. Um dia, recebeu uma
carta. O inverno se aproximava e Cosette não tinha roupas de frio.
Exigiam mais dinheiro. Desesperada, Fantine amarrotava a carta nas mãos. De
noite, foi até um barbeiro que morava na esquina. Desatou seus lindos cabelos loiros.
- Quanto me paga por eles?
O barbeiro ofereceu justamente uma boa quantia, porque podia usá-los para fazer
perucas.
Fantine vendeu os cabelos. Comprou roupas de inverno e mandou-as aos Thénardier. Ficaram furiosos, pois queriam o dinheiro. Distribuíram as roupas entre suas
filhas, e a pequena Cotovia continuou passando frio. Fantine, porém, se conformava,
pensando:
"Minha filhinha não tem frio. Eu a vesti com meus cabelos!"
Um dia, recebeu nova carta dos Thénardier. Segundo dizia, Cosette estava muito
doente. Precisavam de mais dinheiro para os remédios. Fantine passou o dia
descontrolada, rindo. Mas sempre pensando na carta. Saiu à rua. Na praça, havia uma
carruagem extravagante. Em cima dela, um dentista vendia dentaduras completas,
pós-dentifrícios e remédios para tirar a dor. Fantine parou para ouvir, rindo com o discurso
do homem. A certa altura, ele observou Fantine e exclamou:
- A moça tem lindos dentes. Pago duas moedas de ouro pelos dois da frente!
Fantine fugiu correndo, tapando os ouvidos. O homem gritou:
- Pense bem. Se decidir, vá à estalagem me procurar. São duas moedas de ouro
- o homem gritou.
Em casa, Fantine continuou a sentir-se horrorizada com a proposta. Depois,
voltou a ler a carta, pedindo dinheiro.
À noite, quando uma vizinha a visitou, Fantine estava sentada diante da vela, em
silêncio.
- Minha filha não vai morrer sem socorro!
Mostrou duas moedas de ouro.
- Onde arrumou essas moedas? - perguntou a velha, surpresa.
Fantine virou o rosto. Sorriu. Na luz trêmula da vela, via-se um buraco negro na
boca. Tinha vendido os dentes.
Enviou o dinheiro. Era uma nova mentira dos Thénardier.
Cosette não estava doente.
Fantine jogou fora o espelho, pois não queria mais se ver. Perdeu os móveis.
Perdeu a vaidade. Andava com roupas remendadas. Às vezes passava a noite
chorando, com tosse. Sentia uma dor no ombro. Quando pensava, odiava o senhor
Madeleine, tão virtuoso, por culpa de quem julgava ter perdido o emprego. Tinha dívidas.
Recebeu uma nova carta. Os Thénardier exigiam uma quantia mais alta ainda.
Ameaçavam pôr Cosette na rua, onde sem dúvida morreria no frio.
- Mas onde vou arrumar tanto dinheiro? - desesperou-se Fantine.
E decidiu vender o que restava de si mesma. Tornou-se prostituta.