A prisão do prefeito foi um escândalo. Em menos de duas horas, esqueceu-se o
bem que praticara.
Muitos diziam sempre ter suspeitado dele. Apenas três ou quatro pessoas
permaneciam fiéis ao prefeito. Entre elas, a velha porteira do edifício onde morava. De
noite, para sua surpresa, Madeleine reapareceu.
- Quebrei a barra de ferro de uma grade e fugi. Vou pegar minhas coisas no
quarto. Enquanto isso, chame a irmã Simplice.
A velha saiu. Ele subiu ao quarto. Pegou os dois castiçais que ganhara do bispo. A
irmã Simplice chegou. Ele lhe entregou um papel.
""Peço ao senhor padre para tomar conta de tudo que deixo. Faça o favor de
pagar as despesas do meu processo e o enterro da mulher que morreu hoje. O resto, dê
aos pobres.""
Nesse instante, ouviu-se um ruído na escadaria. Era o inspetor Javert. Jean
Valjean correu a se encostar na parede. A freira caiu de joelhos. Ao ser aberta, a porta
ocultou o homem. Javert ficou perturbado ao ver a freira rezando. Mas seu senso de dever
fez com que perguntasse:
- Irmã, está só neste quarto?
Pela primeira vez na sua vida, irmã Simplice mentiu:
- Estou.
- Desculpe minha insistência, mas a senhora não viu hoje um prisioneiro fugido?
Jean Valjean?
- Não - respondeu a freira, mentindo pela segunda vez.
O inspetor retirou-se. Jean Valjean fugiu.
Mas, alguns dias depois, foi apanhado novamente.
Esses acontecimentos foram narrados por alguns jornais da época. Vejamos
alguns trechos. O primeiro, do Drapeau Blanc, de 25 de julho de 1823, narra os fatos da
seguinte maneira:
""A polícia descobriu que o prefeito de Montreuil-sur-Mer, um homem chamado
Madeleine, era nem mais nem menos do que um antigo forçado, chamado Jean Valjean, e
condenado novamente por crime e roubo. Parece que pouco antes de sua prisão, Jean
Valjean conseguiu receber das mãos de seu banqueiro uma quantia superior a meio
milhão de francos. Ao que parece, tal fortuna foi ganha de maneira honesta, em sua
fábrica. Mas não se sabe onde Jean Valjean escondeu esse dinheiro, pois não estava com
ele ao ser preso novamente."
O Journal de Paris dizia:
"Acaba de ser condenado novamente um antigo forçado chamado Jean Valjean.
Desmascarado e preso, esse homem, que tem uma força hercúlea, conseguiu
fugir. Mas foi preso quando tomava uma carruagem para Montfermeil. Dizem que
aproveitou os três ou quatro dias de liberdade para retirar uma quantia considerável, que
havia depositado com um banqueiro. Aparentemente, conseguiu esconder esse dinheiro.
Foi condenado à pena de morte. Não apelou da sentença.
Mas o rei, em sua clemência, mudou a pena para trabalhos forçados por toda a
vida. Jean Valjean foi enviado para as galés.""
Após a prisão de Jean Valjean, a indústria em Montreuil-sur-Mer decaiu. Sua
fábrica fechou. Outras não tiveram mais sucesso. Operários perderam o emprego.
Diminuiu o consumo. Acabou a assistência aos pobres.
Jean Valjean continuava preso, nos trabalhos forçados das galés. Certo dia,
quando o navio estava no porto, um marinheiro perdeu o equilíbrio. Ficou dependurado em
uma corda. Cair seria a morte certa. Subitamente, um homem subiu pelo cordame do navio
em seu socorro. Era um forçado que pedira licença ao oficial para tentar o salvamento.
Autorizado, quebrou o grilhão dos pés. (Só mais tarde refletiram na facilidade com que
arrebentou a cadeia.) Corajosamente, conseguiu chegar perto do marinheiro em perigo.
Amarrou-o com uma corda que trazia na mão. E o içou. Depois, o pegou com os braços e o
levou até seus companheiros. Ao voltar para junto dos outros forçados, cambaleou. De repente, caiu no mar. Quatro homens pegaram um barco para socorrê-lo. Mas o homem
não voltou à tona. No dia seguinte, um jornal noticiou:
""Ontem um forçado das galés, depois de socorrer um marinheiro, caiu no mar e
afogou-se. Não foi encontrado o cadáver. Chamava-se Jean Valjean"".