("– A luz ajuda, não é mesmo? – perguntou-me, com um meio sorriso avassalador")
Levei mais de um segundo para fechar minha mandíbula, escancarada, e conseguir responder.
– O... o quê?! – gaguejei, num transe momentâneo, piscando incontrolavelmente os olhos. Era quase impossível poder disfarçar minha reação de espanto diante da figura daquele deus ameríndio. – De-desculpe, o que foi que disse?!
– Eu disse que a luz ajuda – repetiu ele, com calma absoluta. – Facilita para achar os caminhos.
– Vo-você não tem mesmo que ir embora?! – falei a primeira coisa estúpida que me veio à mente, para ver se ele dizia que sim, que tinha mesmo de ir, e, assim, me deixasse livre para desaparecer dali correndo, privando aqueles olhos de lobo da minha aparência tétrica.
– Bem, eu tenho muitas coisas para fazer em casa... – admitiu. – Mas, nada tão urgente que me impeça de agir como um bom cavalheiro e socorrer uma donzela faminta à essa hora da noite! – ele sorriu, e eu tive que me esforçar um bocado para respirar sem babar.
– OK – foi tudo o que consegui dizer, desviando os olhos para a saída.
Saímos da recepção. Eu, desnorteada; ele, balançando, agora eu notava, uma caixa preta retangular na mão esquerda, aparentando tranquilidade.
Depois de andarmos uns cinquenta metros, calados, ele virou à direita, onde parou e abriu o braço desocupado para me apresentar à máquina cinza de lanches.
Tentei não encará-lo novamente, para o meu próprio bem-estar, e fui em frente.
Consegui dar três passadas perfeitas, antes de tropeçar e quase cair a meio metro da máquina. Só não dei com o nariz no chão porque ele segurou meu braço com uma agilidade incrível, deixando sua caixa cair. Tesouras de poda e outros instrumentos de jardinagem ficaram espalhados ali.
– Você se machucou? – mediu-me dos pés à cabeça, depois de soltar meu braço.
– Não. Estou bem... – não estava. Minhas pernas estavam bambas e o culpado era ele. Agachei-me para pegar seus pertences. – Desculpe por isso... eu sou uma desastrada...
– Não faz mal – rapidamente, ele juntou o restante dos objetos dentro da caixa, fechando-a. – Nada quebrável, viu?
Passei a mão na testa, sem graça, procurando sinais do suor nervoso.
– Posso te fazer uma pergunta? – ele franziu o cenho, com uma expressão intrigada.
Fiz que sim com a cabeça.
– Há quantos dias, exatamente, está sem comer?! – ele sorriu.
Fiquei sem graça com o sarro que tirava de mim e não respondi. O verdadeiro motivo do meu tropeço era a presença dele.
É você quem está me deixando assim, catatônica, desabafei, internamente.
Sacudi a calça de moletom e me odiei por estar dentro de vestes tão descoordenadas. Respirei fundo e encarei o vidro da máquina de lanches, analisando minhas opções. Nada de saquinhos com salgados ou refrigerantes. Só havia uma variedade estúpida de biscoitos caseiros, em latas de metal, iogurtes em vasilhames de vidro e, pasmei, maçãs.
– Não tem fritas? – perguntei indignada, deixando evidente minhas preferências de consumo.
– Não, não tem – ele respondeu com um tom de estranha satisfação na voz grave.
Notei que o sujeito ficou me observando, se divertindo com minha penúria.
Não havia nada ali que fosse apetitoso para mim. Eu nem era tão exigente assim com relação à comida, gostava do fast-food tradicional e teria ficado satisfeita se encontrasse um hambúrguer frio e um refrigerante quente, naquela noite.
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Fragmentos de uma Concha
RomanceSinopse Este romance revela a história de Eva Angelina Reed, ou Nina, uma jovem americana de classe média baixa, sem grandes ambições profissionais na vida, que, graças à ajuda de sua melhor amiga, Amy, ganha uma vaga de emprego numa mega multinaci...