31. HOLOFOTES (parte II)

483 143 6
                                    


Durante toda a minha vida fui uma sombra invisível que transitava livremente pelas salas e corredores do colégio, sem ser notada. 

No fundo, sempre achei que um pouco de notoriedade social não seria nada mal para alguém como eu, mas quando cheguei nas imediações do refeitório de Etna, no final daquela manhã agitada, comecei a mudar de opinião.

Pessoas me apontavam e fofocavam dentro de seus pequenos círculos tribais, sem desviar os olhos de mim. Pelos sorrisos e olhares, cheios de malícia, dava para perceber do que falavam. 

Um nervoso intenso absorveu minha fome de modo que, da porta do refeitório, vislumbrando uma plateia considerável ali dentro também, fiz meia volta e segui para o escritório. Não conseguiria engolir nem uma semente de gergelim com tantas pessoas me observando.

Quando pus os pés, devidamente limpos e calçados, no território CR, Daniel já estava lá, irretocável, com os cabelos molhados e roupa jovial. 

Sumai e Ojore ainda não tinham chegado e Deus sabia a que horas iriam aparecer.

– Você foi rápida – Daniel elogiou-me, sem tirar os olhos da agenda que rabiscava.

Discutir os acontecimentos que me atiraram no centro das atenções de Etna estava totalmente fora de cogitação, então, decidi apenas trabalhar e deixar a raiva ir embora. Passei por Daniel de boca lacrada e respirei aliviada por ele também não dizer mais nada.

Sentei na cadeira giratória que estava diante de um computador vago, retirei a vultosa documentação do envelope pardo e, pelo resto da manhã, digitei traduções sem parar. Consegui esquecer até que meu estômago estava murcho e triste.

Para minha surpresa, Daniel permaneceu compenetrado em suas anotações, nos infindáveis livros e no laptop que tinha à sua frente, sobre a mesa de vidro, parecendo se esquecer de minha insignificante presença.

Eu, porém, não conseguia fazer o mesmo com relação à ele, pois a brisa que entrava pelas amplas janelas me trazia o adorável perfume de Daniel – estranha combinação amadeirada e cítrica, com fundo de menta –, atordoando meus sentidos. Estar sentada de costas para ele ao menos ajudava. Naquela posição, meus olhos ficavam presos aos papéis e à tela do computador, não naquele prodigioso conjunto físico.





Fragmentos de uma ConchaOnde histórias criam vida. Descubra agora