23. MANGA (parte IV)

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Enquanto caminhava atrás de Daniel para a imensidão verde da reserva florestal, sentia a tensão da conversa se desfazendo e aliviando meu corpo.

Estava eliminada a hipótese "A", enumerada pela Amy, e a "B" também, ao que parecia. 

Aparentemente, ele estava me dando uma chance de provar que eu estava à altura do cargo. Alternativa "C", eu tinha que aproveitá-la. Só tive que discordar da Amy quanto a uma coisa: Daniel estava longe de parecer um idiota.

Amanhecia e a pouca luminosidade nos deixava praticamente às escuras sob as copas das árvores. 

Percebendo que eu tateava para não dar de cara num tronco, Daniel sacou uma lanterna do bolso traseiro do macacão e me entregou, já acesa. 

Permanecemos andando, calados por um tempo, floresta adentro, até que perguntas inevitáveis começaram a me incomodar.

– Está falando sério mesmo quando diz que prefere que eu te trate sem formalidades? – eu precisava me certificar que ele estava mesmo querendo levar aquilo em frente como condição absoluta para minha permanência no emprego.

– Sim.

– Mas, como eu vou saber se não estou passando dos limites, digo... desrespeitando o chefe?

– Essa coisa de chefe é praticamente uma brincadeira de meus irmãos. Nós tomamos as decisões juntos, em equipe. Então, esquece essa nomenclatura boba, tá legal?

Assenti com a cabeça.

– E quanto aos limites? Posso mesmo falar livremente tudo o que penso?

– Absolutamente. Eu repito que aprecio bastante a sinceridade das suas palavras.

– Sem restrições? Por exemplo, posso dizer que a comida daqui é pior que a do exército em tempos de guerra, que você não vai se aborrecer?

– Não, não vou... – ele respondeu rindo.

– Posso perguntar o que quiser também?

– Claro, seja minha convidada.

– Vai se arrepender de ter me dado carta branca.

– Acho difícil isso acontecer.

– Eu falo bastante, às vezes. Posso ser invasiva, digo... incomodar você com questionamentos sem fim.

– Pessoas inteligentes normalmente são muito curiosas.

– Hum... não deve ser o meu caso. Inteligência é o departamento da Amy. De qualquer forma, se em alguma ocasião eu começar a te aborrecer com perguntas demais ou te ofender com minha crítica pesada, pode mandar eu calar a boca.

– Eu aguento.

– Certo. Vamos ver onde isso vai dar – falei baixinho, mais para mim mesma.

Os saltos dos meus sapatos afundavam na relva, mais úmida agora.

– Comece – Daniel pediu.

– O quê?

– As perguntas.

– Ahn... – fiquei pensando. Eram tantas, que eu precisava selecionar as que ia lançar primeiro, por grau de segurança.

– Estou esperando.

– Calma! Ainda estou me acostumando a isso.

– É tão difícil assim conversar comigo?

– Como pisar em ovos.

Daniel deu uma olhadela para trás.

– Sabe... o sobrenome Attali é pesado de se carregar por causa da responsabilidade delegada pelo Jonathan. Mas o que realmente me incomoda nisso tudo é que as pessoas dão uma importância exagerada a essas coisas...

Não teci comentários, Daniel ficou insatisfeito com minha mudez.

– Vamos lá, Nina, mate minha curiosidade, o que quer saber a meu respeito?

– Vai me responder com honestidade também?

Ele se virou para mim, interrompendo a caminhada. Joguei a luz da lanterna em seu rosto, sem querer e seus olhos brilharam como os de um gato selvagem.

– Está duvidando da minha integridade moral? – perguntou.

– Ainda tenho minhas dúvidas – desviei o feixe de luz para o chão.

Daniel sacudiu a cabeça em desaprovação por minha desconfiança e retomou o percurso. Eu acompanhei para não ficar pra trás.

– Ok – disse ele, caminhando a passos mais rápidos.

– Você não respondeu ainda. Jura que vai ser sincero comigo, também?

– Eu não juro nada – ele tinha a voz quase ranzinza, agora. – Minha palavra basta. Pode acreditar.

– Tudo bem, se você está me garantindo...

Perguntas editadas, a primeira veio fácil.

– Você ia mesmo me despedir?

– Não. – respondeu secamente. – Só fiz uma cena.

– Sério?! – fiquei indignada. – Co-como pôde? Eu fiquei em pânico, sabia?

– Você estava detestável falando daquele jeito... toda certinha, submissa e diferente de quem é.

Naquele instante, vacilei com a lanterna e, enxergando pouco, tropecei numa pedra. Acabei batendo as palmas das mãos nas costas de Daniel, para impedir a queda. Ele parou, girou e me fitou sério.

– Se o tapa era pra doer, vai ter que se esforçar mais.

Ele entendeu errado o que aconteceu.

– Ei, e-eu não quis fazer isso! Eu tropecei... n-não foi de propósito!

Ele permaneceu sério por alguns instantes e então reprimiu um sorriso.

Estava brincando.

– Credo! Você tem um humor esquisito! – reclamei, vendo-o caminhar à minha frente de novo. – Parece que se diverte me deixando sem graça.



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Agradecimentos especiais a ChaseLuna, Tris99rosa, YasminLial, mimSantos9, Mr.Sullivan ou InkColdBoy, NatyDiAangelo, LYRMLivros2015, Luana 189, KeilaMota, FernandaMariaFragoso, Mariko, KellyAbreuAlmeida, elisandra66, Gabrielagregorio2707, Juliabez7, Silvia890, Rafaelaaleafar,...

Pelos comentários hiper bacanas que generosamente deixaram em meu perfil e ao longo dos capítulos!      








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