Busquei um tema diferente para esquecermos o anterior, voltando a admirar a beleza da reserva.
- Aqui é realmente bonito, Danny. A vegetação é exuberante, mas não parece ser totalmente nativa, digo, daqui da Califórnia – aquela era uma constatação óbvia que até uma pessoa leiga como eu, podia fazer. – Por acaso, não devia haver apenas musgo e sequoias gigantescas neste local?
Minha observação foi aprovada por Daniel, que começou a me repassar informações sobre a formação daquele jardim privativo. Disse que, quando Etna foi fundada, parte da mata costeira já tinha sido devastada. A princípio, teve a ideia de replantar apenas sequoias por toda a extensão da propriedade, mas, depois, diante da necessidade de se ter um espaço próprio para o cultivo de plantas trazidas de fora, para pesquisas, aquele pedaço da reserva foi se tornando gradativamente berço para as centenas de novas espécies que ali se encontravam agora, entre pequenas ervas, gramíneas, arbustos, árvores de diferentes portes.
– Você quer dizer que seu pai teve essa ideia. Porque Etna foi fundada em 1971, certo? Você ainda não tinha nascido nessa época.
Daniel pigarreou, admitindo o erro de sua colocação, devolvendo o mérito da iniciativa a seu pai.
– Tem toda a razão. Eu passo tanto tempo aqui e trouxe tantas espécies de plantas pra cá, nas minhas expedições pelo mundo, que às vezes acho que fui eu quem fez sozinho este lugar.
Ele tinha se munido com uma bandeja metálica retangular de dois palmos de largura, um pequeno alicate, parecido com um cortador de unhas e uma pinça metálica. Estava cortando folhas de um pequeno arbusto a alguns metros.
– Certa vez, li numa revista que era perigoso pegar espécies vegetais ou animais de um determinado local e levá-las para outro – comentei em voz alta, devido à distância que me encontrava de Daniel. – O artigo dizia que a nova espécie, a que vinha de fora, poderia se adaptar bem demais ao novo habitat, se proliferar de maneira descontrolada e prejudicar as espécies nativas.
– É verdade – respondeu ele, atento ao que eu dizia. – Como aconteceu com a proliferação do caramujo africano, no Brasil, por exemplo. Por conta disso, manipulamos geneticamente todos os exemplares trazidos para Etna, antes de plantarmos eles aqui.
– Quer dizer que nenhuma destas plantas vai gerar mudas?
– Sim. Elas estão aqui para nos ajudar e não para trazer transtornos.
Concordei que a medida de precaução adotada pela empresa era mesmo necessária para proteger a região da invasão maciça de plantas medicinais. Por mais benefícios que elas trouxessem ao homem, não era justo que chegassem ali e tomassem o espaço que originalmente pertencia às sequoias.
A pouca neblina que havia, quando adentramos a reserva, se desfez completamente, de modo que pude vislumbrar ali cores que ainda não tinha notado.
Aproveitei que Daniel se distraía podando sei lá o quê e caminhei uns cem metros à frente para ver de perto um lindo bouquê de flores de uma orquídea exótica, fixado na parte baixa da casca grossa de um tronco de árvore. Repuxei um pouco para cima a minha saia secretária e me agachei diante dela. Era de uma tonalidade rosa incrivelmente bela.
Olhei para trás e vi Daniel ainda mais entretido em seu minucioso trabalho manual. Resolvi calar um pouco a boca e deixá-lo terminar a coleta em paz. Decidi explorar melhor o terreno e caminhei em direção a uma vegetação tipicamente tropical, com plantas de folhagem densa, que trazia em seu meio curiosos pêndulos em forma de costela humana na cor vermelho sangue.
Não muito longe dali encontrei algo que imediatamente chamou a minha atenção.
Um pé de manga.
Reconhecia a árvore e o fruto porque quando pequena, nas andanças de minha mãe pelo Brasil, cheguei a morar numa espécie de sítio com pomar, onde havia uma mangueira. Costumava subir nela para apanhar as deliciosas frutas doces de polpa amarelo-vivo e comê-las ali mesmo, retirando a casca verde com meus próprios dentes.
A árvore que estava diante de mim ainda era pequena – principalmente se comparada à que me vinha à memória, majestosa e maior que um prédio de três andares – e não reconheci as belas flores brancas que enfeitavam seus galhos. Aproximei-me dela e pensei que Daniel não se importaria se eu colhesse um fruto daqueles para comer mais tarde.
Encostei na árvore e arranquei com as duas mãos a maior manga que vi. O galho estalou alto e ficou se debatendo no ar, enquanto eu levava o fruto tropical em direção ao nariz para sentir o seu exótico perfume.
Só que não tive tempo para isso.
Três coisas aconteceram, simultaneamente, assustando-me. Daniel gritou um sonoro "não" em meu ouvido, recebi dele um tapa nas mãos que foi tão forte que me fez cair sentada no chão, e a manga, devido ao impacto, espatifou-se na terra.
– Ficou louca?! – ele gritou comigo, extremamente alterado.
– E-eu é que pergunto... – gaguejei atônita, tentando entender o que acontecia. – O-o que há de errado com você?! Que bicho te mordeu?!
Sem dizer nada, Daniel puxou minha mão e pôs-se a me arrastar, bruscamente, por cerca de cem metros, até chegarmos a uma construção abandonada. Rapidamente encontrou e girou o registro de uma torneira baixa, apanhou uma extensa mangueira transparente, conectada a ela, e despejou o jato forte de água sobre minhas mãos, como se eu tivesse pego em algum bicho morto contaminado com ebola.
– Você encostou o fruto na boca?! – Daniel esbravejou.
– D-danny, quer parar com isso?! – ele esguichava a água com tanta força sobre minhas mãos que espirrava para todos os lados, molhando-me. – E-eu não fiz nada! Só peguei uma manga!
– Não era uma manga, Nina! – gritou novamente. – Era uma fruta extremamente venenosa! Agora me responda com clareza, você ingeriu algum pedaço dela?!
Fiquei parada olhando para ele, processando a informação por um segundo. Acho que Daniel presumiu que meu silêncio representava um sim, porque, num arroubo, atirou a mangueira no chão, afrouxou o punho de meu braço e me pôs no colo.
– N-não! Eu não mordi a fruta! – consegui falar, antes que ele me carregasse até um hospital.
– Tem certeza do que está dizendo?! – Daniel reduziu o ritmo de seus passos largos até parar, fitando-me.
– C-claro... tenho, sim – tentei acalmar a nós dois. – Eu só ia sentir o cheiro da fruta... não pretendia comê-la naquela hora, só mais tarde.
Só depois que lhe dei certeza absoluta de que não tinha comido nenhum pedaço da fruta venenosa foi que Daniel me colocou no chão. Fez isso com facilidade, como se eu fosse feita de vento.
– Droga, Nina! Você me deu um susto tremendo! – ele ergueu a cabeça, colocando as mãos na cintura e respirando fundo.
Abaixei minha saia, que tinha subido quando ele me carregou, e ficamos recuperando o fôlego do incidente por um ou dois minutos.
– Desculpe, Danny, e-eu me confundi completamente... ela era tão parecida com uma manga que eu não imaginei que...
– Está tudo bem – passou o antebraço molhado pela testa. – Na verdade, fui eu quem errei em ter trazido você aqui. Devia ter avisado para ficar perto de mim e não mexer em nada – disse, preocupado com o risco a que me expôs. – Esta área não é restrita por acaso. Noventa por cento de todas as plantas que estão neste pedaço da reserva são... venenosas. Algumas espécies, como a que você confundiu, são extremamente perigosas.
Sacudi a cabeça sem compreender a existência daquelas plantas ali.
– Então por que as cultivam?! – questionei atônita - Por que trouxe essas plantas pra cá?!
– Porque do veneno delas é que se extraem os melhores remédios.
***
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Fragmentos de uma Concha
RomanceSinopse Este romance revela a história de Eva Angelina Reed, ou Nina, uma jovem americana de classe média baixa, sem grandes ambições profissionais na vida, que, graças à ajuda de sua melhor amiga, Amy, ganha uma vaga de emprego numa mega multinaci...