35. HOLOFOTES (parte VI)

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Tinha certeza de que era Kerry e sua trupe do outro lado da maçaneta. 

Deviam estar ávidas para sugar informações frescas de mim, como vampiras sedentas de sangue. Só que naquele momento eu não encarnava o espírito da benevolência. Não estava a fim de passar a madrugada tendo que descrever as células dos músculos dos bíceps de Ojore, muito menos ser inquirida sobre o que tinha rolado entre mim e Daniel na reserva.

Sim, com certeza, elas iam pegar no meu pé por causa do episódio da camisa preta.

Continuei calada, ponderando quais eram as minhas chances. 

Se eu lhes dissesse a verdade, jurando de pé junto que não tinha acontecido absolutamente nada entre mim e Daniel, elas não acreditariam; se mentisse, descrevendo o sexo animal que não fizemos, me pediriam todos os detalhes sórdidos e minha reputação seria destruída de vez. 

Então, só me restava a última alternativa, a mais simples, que era a de fingir que eu não estava no quarto. Foi a que escolhi, até que novas batidas, mais fortes, atravessaram a porta.

Calculei o tamanho do desespero das meninas, a probabilidade de ter minha porta derrubada e somei à minha chance de escapar do interrogatório nos próximos dias. 

Dei três passos e deixei que entrassem.

– Estava dormindo? – perguntou Sumai, com o punho fechado, prestes a bater pela quarta vez.

Fiquei surpresa ao vê-la ali àquela hora. E contente por ser ela e não minhas três perseguidoras.

– Não! – respondi, um tanto embaraçada pela demora em recebê-la. – Estava... meditando.

Mentira descarada.

– Sério? – ela franziu o cenho, em dúvida. – Você medita?

– Só quando estou muito encrencada... – dei a língua, fazendo uma alusão às fofocas do dia.

Pela cara que minha colega de trabalho e herdeira do império verde fez, ela já estava a par dos acontecimentos. Talvez Daniel tivesse lhe contado. Fosse como fosse, Sumai exibia um sorriso tranquilo para mim, de modo que presumi que não tinha ficado surpresa ou chateada com o episódio.

– Ignore o falatório, Nina. As pessoas gostam de fantasiar coisas a respeito de nós – ela se referia à sua família. – Têm até uma predileção especial pelo Dan...

– É, nem imagino por que fazem isso...

Rimos juntas, diante do óbvio.

Sumai tinha plena consciência do efeito que a beleza fenomenal do irmão mais velho causava nas mulheres.

– Mas... não veio aqui para falar sobre isso – afirmei, achando que ela não parecia ser o tipo de pessoa que perderia tempo com algo dessa proporção. Tinha um sarcasmo implícito no olhar, como se enxergasse as coisas por ângulos bem menos medíocres.

Só neste instante, péssima observadora que sou, notei que minha colega usava uma roupa colante – conjunto de top e short curto em um suplex moderno, de cor vinho –, que delineava constrangedoramente para mim e meus quilos extras a sua forma física exuberante. 

Qualquer líder de torcida californiana daria os rins para ter as pernas de Sumai, sem falar da barriga chapada.

– Não – disse ela secamente, me fitando. – Vim te buscar para irmos malhar na academia.

Ouvir aquilo foi agradável como uma pancada na cabeça.

– Você leu o e-mail, não foi? Regras da Casa...

Arrastei os pés com má vontade até a cama, onde me sentei tentando disfarçar meu pânico. 

Sumai me acompanhou, sentando-se na cama vizinha. Ficou observando minhas tranqueiras na estante, me aguardando.

– Já sabe qual a modalidade esportiva que vai praticar? – perguntou, curiosa.

– Não, não escolhi ainda... – falei com a voz desanimada. – No fundo, tinha esperanças de que a regra 23 fosse um tipo de pegadinha sem graça.

Ela mirou a janela, disfarçando um sorriso, depois voltou os belos traços para mim.

– Vamos lá! – incentivou-me, batendo as palmas das mãos. – Um pouco de atividade física vai lhe fazer bem, Nina!

Comecei a me coçar. Alergia à ginástica.

– Se está com dúvidas, deixa que eu escolho por você... – Sumai tentava facilitar as coisas.

– Não quer fazer por mim?! – brinquei, com uma cara séria. – Posso te dar metade do meu salário...

Dizer aquilo foi bem ridículo. A dona de Etna ia mesmo precisar de uns trocados meus para dar de gorjeta à sua manicure.

– Vai fazer boxe. – disse com firmeza demais.

Eu tremi. 


Fragmentos de uma ConchaOnde histórias criam vida. Descubra agora