Até a véspera da viagem a boca da Amy não parou de mexer, passando-me todo tipo de informação útil sobre ETNA – Environment and Technology from Nature S/A.
Falou sobre o fundador, já falecido, citou descobertas científicas premiadas internacionalmente, entre outras coisas, numa tentativa óbvia de me animar.
– Você vai para a sede de Etna, na Califórnia – disse-me Amy, feito um HD ambulante, mostrando que sabia tudo sobre a empresa.
Segundo me anunciava, feliz, aquela potência do ramo da biotecnologia tinha mais filiais espalhadas pelos quatro cantos do planeta do que pulgas em cão vira-lata.
O que me restou foi me conformar com o emprego que descolara para mim.
Na sequência, pedi as contas do restaurante dos Yan, saindo dali com parcos trocados.
Estranho que me demitir dali foi psicologicamente mais difícil do que sair da casa da tia Natalie. Quando comuniquei àquela parente distante que iria embora, a senhora quarentona com olheiras berinjelas e bafo de vodka com cigarro sequer se levantou do sofá. Sem desviar os olhos do programa idiota que passava na televisão, respondeu-me dizendo que colocaria meu quarto para alugar no dia seguinte.
Nenhuma surpresa em ouvir aquelas palavras geladas.
Assim, enquanto acomodava minha pequena mudança no porta-malas do táxi, rumo ao aeroporto, naquela manhã, dei uma última olhada para aquele lar sem vida, e senti alívio.
Era incrível a sensação de estar me livrando da presença nefasta de tia Natalie, depois de tanto tempo, mesmo sem ter ideia de onde iria morar.
Independente do que fosse acontecer nos próximos meses, o que realmente importava era que ali estava eu, arrancada de minha rotina simples, rumo ao desconhecido, graças à Amy, que não chegava nunca naquele aeroporto.
Faltando exatos sete minutos para o embarque, avistei tia Helena e tio Paul passando pelas portas de vidro, vindo em minha direção.
– Oi, querida! – disse-me tia Helena, apressando-se em me dar um abraço carinhoso. Tio Paul fez o mesmo. Olhei para trás deles, não havia mais ninguém... nem a baixinha de rosto oval e cabelos ondulados, castanhos, que atendia por um nome de três letras.
– Cadê a Amy, tia?!
Os dois se entreolharam, visivelmente constrangidos em falar, até que, por fim, ouvi.
– Ela não vem, Nina – tia Helena segurou minhas mãos. – Mas pediu que eu viesse em seu lugar e... bem, que lhe entregasse pessoalmente esta carta – ela estendeu a mão com um envelope branco pequeno e eu o peguei, com má vontade. Tinha meu nome escrito à caneta, com a letra miúda inconfundível da Amy.
Não xinguei minha amiga na frente dos dois, porque eles não tinham culpa da ausência dela. Pelo contrário, foram gentis em terem vindo no lugar da sobrinha sem palavra, só para se despedir de mim e me entregar aquela correspondência idiota.
Só depois, quando entrei no avião e me sentei na poltrona, é que soltei mentalmente impropérios diversos sobre Amy.
Ela tinha prometido vir comigo até o aeroporto. Mas naquela manhã tive de pegar o táxi sozinha, porque ela não apareceu. Seu celular só dava na irritante caixa de mensagens e agora eu entendia que ela o desligara de propósito.
No fundo, não pretendia vir.
Quando o avião decolou, senti um frio deslocar meu estômago. Aproveitei a má sensação para amassar com raiva um pedaço do envelope que detinha nas mãos. Ele guardava, lacrado, a carta da Amy que eu não ia ler.
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Fragmentos de uma Concha
RomansaSinopse Este romance revela a história de Eva Angelina Reed, ou Nina, uma jovem americana de classe média baixa, sem grandes ambições profissionais na vida, que, graças à ajuda de sua melhor amiga, Amy, ganha uma vaga de emprego numa mega multinaci...