5. A Caixa

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I.

Dois meses se passaram desde a volta do rei Jeremy ao castelo, mas algo o incomodava. A rainha May percebera isso com o tempo. Dia após dia via as olheiras em baixo dos olhos do marido aumentarem em vez de diminuírem. Jeremy lhe parecia mais cansado e mais magro do que no dia em que retornara à capital.

Ela começou a observa-lo na noite após a nomeação da guarda real. Notara que ele comia pouco e não dormira bem nenhuma noite sequer desde que voltara. Esperou que ele lhe dissesse o que estava acontecendo, talvez fossem as coisas horríveis que vivenciara no período de guerra. Mas a preocupação dela com o ele só aumentava conforme o tempo passava e ele não mencionava nada.

Deitados na cama para dormir - pelo menos ela conseguia dormir - a rainha achara que perguntar seria a melhor maneira de extrair a informação do marido.

- Jeremy, meu amor, algo lhe preocupa? Tenho observado você nos últimos dias e você não tem dormido e nem se alimentado direito.

- Na verdade, tem algo me incomodando sim, May. Durante a caminhada final para garantir que Keshvi havia ido realmente embora, em um dos acampamentos feito pelo exército dela, encontrei uma caixa...



II.

Lá estava eu. Andando pelo acampamento inimigo quando me deparei com esta caixa. Toda amarela, com um quê de antiguidade, feita em madeira nobre e uma coroa de 3 pontas entalhada sobre a tampa.de amarelo

Decidi guardá-la e seguir meu caminho. Seja lá o que tivesse ali dentro, não era importante naquele momento e poderia esperar. A guerra estava quase no fim.

Ao olhar mais uma vez para a caixa tive uma sensação estranha e posso jurar que a ouvi falar comigo. Sei que isso não faz sentido, mas sei o que ouvi. Ela parecia me chamar. Uma voz calma e doce disse:

- Venha, me descubra, Rei Jeremy.

Aquilo me chamou a atenção. Senti um calafrio subindo pela espinha e quando estava totalmente absorto pelo segredo que a caixa continha, Alec apareceu repentinamente e me assustou.

- Senhor, vimos uma movimentação suspeita ao sul. Para além da floresta, devemos nos preparar para um ataque?

Assustado com a aparição dele, quase deixei a caixa cair no chão e disse:

- Sim, Alec. Devemos nos manter alertas a uma eventual emboscada. Muito obrigado por informar.

Amarrei a caixa no lombo do cavalo e a levei comigo desde então...



III.

- Ela está guardada, May. E não tive coragem para abrí-la ainda. Quando a ouvi falar comigo fiquei muito assustado. Parecia tão... Tão real.

- Jeremy, que terrível! Acredito no que diz.

- Isto tem tirado meu sono desde o dia em que a encontrei. - disse o rei. - Ao mesmo tempo que ela parece antiga, parece que foi feita pra mim. Oh, May! Não sei o que fazer. Quero poder-la, mas o convite feito por ela e aquela voz doce me dão arrepios todas as vezes que lembro.

- Meu amor - começara a dizer a rainha -, acredito que você deva tomar uma decisão sobre o que fazer com essa caixa. O reino não pode ter um rei doente e se alimentado e dormindo mal como está, esse será seu futuro. Estou muito preocupada com você. Até Gia percebeu que você tem estado distante desde que voltara.

Uma chavinha parece ter girado na cabeça do rei. A filha.

- Oh! Pelos deuses. Estou com muito medo, May.

- Pois então queime-a.

- Não! Isso nunca! - Gritou abruptamente o rei, assustando a rainha com aquele tom. Ela olhara para ele com pavor. - Me desculpe, não queria ter gritado com você. Me perdoe, meu amor.

Ele a abraçou, ambos choraram naquele momento. Eles não contaram um ao outro, mas o choro de ambos foi de desespero. Ele por não conseguir se livrar da caixa e ela por ver o que estava acontecendo ao marido.



IV.

Jeremy não contara à May, mas a verdade é que estava obcecado pela caixa. E sim, ela falava com ele constantemente. O chamava, o seduzia.

"Venha, Jeremy. Estou a sua espera. Sou toda sua, me abra. Desvende o meu segredo". A caixa dizia dentro da cabeça dele. Porém, aquela doce voz que o acordava no meio da noite lhe fazia estremecer toda vez que proferia algo. O medo crescia exponencialmente junto à curiosidade.

Nos poucos momentos de sono que conseguia ter, já pela exaustão causada pela insônia, sonhava com a caixa, com o objeto que estava ali dentro, fosse o que fosse.

Tudo o que fizera desde que voltara da guerra, as festas, as nomeações, nada tinha real importância para ele. Seu olhar estava sempre distante, desfocado.

A partir do momento em que encontrou a caixa, tudo mais tornou-se secundário em sua vida, até mesmo a filha. Ele mal passava tempo com ela. Gia sentira essa distância do pai assim como a mãe também.

Jeremy tentara esconder a todo custo que algo lhe assombrava dia e noite, que uma nuvem negra de dúvida pairava sobre sua cabeça. Mas com o passar do tempo isso foi ficando cada vez mais evidente. A rainha e a princesa notaram a sutil distância que ele colocava entre eles. Gia não deixara transparecer, mas estava profundamente decepcionada com o pai. Anos esperando pela sua volta e agora ele já não parecia o mesmo que saíra de Hastabur. Por vezes a menina chorou sozinha no quarto.

No entanto, Jeremy não queria saber disso. Só queria ficar mais e mais obcecado pelo medo e pelo mistério que ali estavam contidos.

Ele já não conseguia raciocinar normalmente, achava que a caixa observava cada movimento, cada gesto que fazia, cada pensamento que tinha. Ela era o verdadeiro rei no fim das contas. Tudo era pra ela, por ela. Jeremy achava que ela lhe diria o que fazer e o censuraria se fizesse algo que julgasse hostil a ela.

Porém, ela não fazia contato constante e quando o fazia, era apenas convidando-o para desvendar o mistério ali contido. Ela também o alertava para ter cuidado. Com ela e com o mundo.

"Venha, rei. Tire essa dúvida da sua cabeça. Nós dois sabemos o que você quer. Mas tenha cuidado, talvez você não goste do que eu tenho para lhe oferecer. Ou talvez ache que é melhor do que a vida que leva hoje, cheio de gente que não te ama e não respeita. Eu sim, eu o amo, Jeremy".

- O que você quer dizer com isso?

Mas é claro que ela não respondia. O silêncio da caixa deixava um grande vazio dentro do peito do rei.

Jeremy não conseguia explicar, nem para si mesmo, mas tinha um medo muito grande de abrir a caixa e encontrar algo que não lhe agradasse ou o decepcionasse. Talvez a voz fosse embora ao abri-la e ele não poderia suportar isso.

Este misto de sensações o faziam ficar ansioso, o deixavam confuso. A verdade é que a caixa havia se tornado um vício do qual ele não queria largar. Ela o iludia, mordia e assoprava. O fazia querer saber mais, mas o afastava na mesma proporção. De forma ardilosa ela sabia o que devia fazer para conseguir o que queria.

Jeremy estava cego. Em um momento de total clareza das coisas abriu o jogo com May para tentar se livrar dessa obsessão, mas em vez disso percebeu que o resultado foi oposto. Ela lhe sugerira que queimasse a caixa. "Como ela pôde sugerir tamanha idiotice? Ela está louca" pensara ele. Na verdade, essa discussão com May o fez ver quem era sua prioridade. 


A dama de amareloOnde histórias criam vida. Descubra agora