Prólogo

8.4K 446 110
                                    


 
 Fazia três horas que eu havia arrumado tudo para a viagem das férias de verão. Dessa vez eu e meus pais íamos ao interior de São Paulo, visitar meus avos, fazia anos que não os via.

Assim que arrumei as bagagens, fiquei deitada na cama, olhando para todos os minúsculos detalhes do meu quarto, pois estava completamente enfadada. Detalhes como a cama completamente bagunçada, os livros de temas bem aleatórios arrumados em minha estante, o teto com um tom de azul que eu desconhecia e as paredes pintadas igualmente com o mesmo tom de azul. Na parede esquerda bem atrás da porta haviam rabiscos que eu chamava de letras, quando tinha sete anos, sim eu havia escrito aquilo na parede do meu quarto quando tinha mais ou menos, esta idade, e hoje não faço a menor ideia do que diabos aquilo pode significar, mas resolvi deixar como estava, afinal era uma das poucas coisas que havia restado da minha infância e não me trazia lembranças indesejáveis embora minha infância não tenha sido tão boa e eu tenha me isolado em um bom período dela, mas tudo mudou e eu deixei de ser aquela pessoa que era antes.

Continuei analisando tudo ao meu redor, até tomar um susto enorme com o toque do meu celular, eram algumas mensagens. Peguei o celular para abri-las, mas me deparei com minha mãe sorrindo sem dizer palavra alguma, apoiada na porta do quarto, apenas me olhando, sim eu sabia o que aquilo significava, eu precisava descer porque iríamos sair naquele momento e se eu fizesse ela esperar, ia a viagem inteira escutando a mesma frase sendo repetida mil vezes com apenas um objetivo, me repreender.

Me virei para o espelho para ver se minha aparência, não estava tão ruim quanto imaginava, minha pele era completamente pálida, meus olhos eram de um castanho claro à um mel e por mais que eu usasse maquiagem para disfarçar as sardas concentradas bem abaixo deles era uma tentativa que resultava em fracasso. Meus cabelos castanhos ondulados que batiam na cintura hoje estavam curtos, mas ainda sim ondulados. Até que a roupa e o penteado que eu havia escolhido não tinham se desfeito. Desci com todas as bagagens e entrei no carro, onde fiquei por horas. Odiava ir para lugares muitos distantes, porque o trajeto inteiro era um tédio, coloquei os fones de ouvido e fiquei assim por horas para ter algo em mente enquanto olhava a paisagem, foi assim até anoitecer, e foi a noite que acabei perdendo a consciência de tão cansada.

(...)

Acordei com um susto por causa da movimentação do carro e do barulho vindo dele, que estava deslizando na estrada. Estava tudo um caos, tudo muito confuso mas eu sabia o que estava acontecendo mesmo não querendo acreditar, tentei me segurar em algo mas minha mente estava confusa, meu coração parecia sair pela boca e eu podia ouvir os gritos dos meus pais, eu não queria olhar em volta e ver algo que não seria agradável, e eu tinha a certeza de que aquilo não era agradável.

Lembro de ter batido a cabeça contra a janela consequência da queda do carro, meus olhos ardiam, algo os atingiu mas logo após este meu corpo amoleceu e eu já estava inconsciente.

(...)

Quando voltei a consciência, estava desesperada, o que me acalmou foi o fato de poder sentir que estava em uma cama. Tentei abrir os olhos de forma brusca mas havia algo neles o que me fez gritar involuntariamente, meu coração acelerou quando minha mão finalmente alcançou a área dos olhos, lá havia um curativo feito de gases. Eu não conseguia ver nada além daquela escuridão, e o pouco de calma que estava começando a brotar de leve em mim, desapareceu completamente.

Na minha cabeça se passavam todas as imagens do acidente: Eu batendo com a cabeça no vidro da janela do carro, a movimentação repentina, os gritos. Meu Deus. Os meus pais.

O peso do meu corpo se esvai, minha garganta e meus olhos ardem mas eu não consigo chorar, o que mais quero neste momento é chorar mas ao invés disso o que faço é gritar, grito o mais alto que consigo, será que há alguém aqui? Aqui onde? Onde estou?

Saio da cama correndo esbarrando em tudo ao meu redor

O que estou fazendo? Tenho que tirar a droga dos gases. Como não pensei nisso? Eles só estão me atrapalhando.

Ouço barulhos próximos e vou em sua direção, já tirando os gases. Ouço a voz desesperada da minha mãe e isso faz com que eu fique paralisada, minhas mãos perdem o peso e caiem sobre minhas pernas se distanciando dos gases, nenhuma palavra pode descrever o alívio que eu estava sentindo naquele exato momento, eu nunca senti nada que pudesse se igualar aquilo, nada que pudesse substituir esse sentimento.

Meu corpo volta a reagir, e eu tiro os gases com toda força e toda velocidade que posso, preciso ver com meus próprios olhos e saber que está tudo bem, mas quando tiro os gases e abro eles lentamente, não enxergo nada. Quero olhar para cada detalhe daquele quarto que possivelmente é o meu, como olhei antes da viagem mas não consigo. Pisco várias e várias vezes, os barulhos agora estão mais próximos. Continuo a esfregar os olhos, minha garganta dói e as lágrimas conseguem sair. Eu deixo o peso do meu corpo cair e me ajoelho no chão, até sentir braços em volta do meu corpo e deixo esse abraço me aquecer para esquecer a verdade. Eu estou cega.

A melodia da sua voz [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora