Haramis correu, acompanhando os passos miúdos e irregulares do oddling músico da corte, e naquela fuga arrojada descobriu coisas sobre a própria coragem — ou a falta dela — que nunca teria imaginado.
Subiram através de passagens secretas e de escadas escuras, cada vez mais cobertas de poeira e teias, lugares onde, Uzun garantiu, ninguém havia estado desde que os primeiros ruwendianos tomaram a antiga Cidadela. Finalmente, terminou o caminho secreto e foram obrigados a sair da passagem e enfrentar a larga escada de pedra em espiral da torre central da Cidadela, feita pelos ruwendianos. As lâmpadas de ferro trançado com tubos de óleo e pavios, pregadas nas paredes, estavam acesas e tudo indicava que os perseguidores labornoks estavam no outro lado da torre.
Haramis e Uzun galgaram laboriosamente, andar após andar, passaram pela enorme biblioteca real, onde a princesa havia passado tantos dias felizes, estudando. O andar da biblioteca estava deserto, mas Haramis deixou escapar uma exclamação indignada quando viu as estantes caídas e os volumes preciosos espalhados pelo chão. Porém, nada parecia ter sido destruído deliberadamente. Sem dúvida, Orogastus deu ordens para que isto não fosse destruído, pensou ela. No lugar dele, eu certamente faria o mesmo.
Embora com relutância, Haramis sentia uma grande admiração pelo feiticeiro inimigo, um homem que comandava o relâmpago, que havia traçado a trilha complexa através do pântano Labirinto com sua clarividência. A queda de Ruwenda era devida somente ao poder de Orogastus, e Haramis respeitava a competência, mesmo quando usada contra ela e contra os seus. O feiticeiro despertava sua curiosidade e, enquanto acompanhava Uzun, pensava no inimigo. Que espécie de homem ele pode ser, se for realmente um homem?
Haramis e Uzun passaram cautelosamente pelo portão de ferro da antecâmara, no décimo quinto andar da torre, onde eram guardadas as jóias da coroa. A princesa hesitou quando ouviu o ruído dos invasores atrás da porta fechada da casaforte, mas não apareceu ninguém. Continuaram a subida e passaram pelo andar seguinte, trancado e selado, onde eram guardadas pedras preciosas, lapidadas e em bruto, e o dinheiro recentemente cunhado, a caminho do décimo sétimo andar, uma espécie de oficina fortificada, onde os objetos preciosos danificados eram reparados ou derretidos. Haramis sabia que faltavam apenas dois andares para chegarem ao telhado. Primeiro um pequeno arsenal, depois o dormitório dos guardas e de outros trabalhadores da torre.
Uzun parou para descansar. Tirou o gorro, enxugou a testa enrugada e procurou retomar o fôlego. Haramis o observava preocupada. O músico oddling era seu amigo desde a infância, e ela gostava dele e confiava na sua lealdade, embora Uzun não fosse humano. Entre os nativos, os nyssomus eram os que mais se pareciam com os humanos, mas o vermelho do seu sangue era opaco e escuro, seus ossos tinham formas estranhas e seus corações batiam no outro lado do peito. Todos afirmavam possuir a Visão e, na verdade, às vezes podiam se comunicar entre si, a distância, por meio da fala sem palavras. Mas para a maioria dos ruwendianos eram seres inferiores, incultos e quase incivilizados, embora aprendessem com facilidade os costumes dos humanos e às vezes demonstrassem verdadeiro talento para as artes e o artesanato. Quando era pequena, Haramis pensava que os oddlings nyssomus pertenciam ao rei, seu pai, como animais de estimação. Mas o rei explicou que os pequenos nativos eram livres, e tinham alma, e deviam ser tratados como pessoas de verdade.
Quando Uzun se refez, prosseguiram na subida cautelosa. Quando estavam próximos do último lance de escada, Uzun fez Haramis parar, enquanto ele ia verificar se o caminho estava livre. Crescia a preocupação da princesa com o que ia acontecer quando chegassem às ameias da torre. Enquanto Uzun espiava sobre a borda do- último andar, Haramis franziu a testa e enrolou o manto no corpo. Um vento frio assobiava entre os vãos abertos, quase apagando as chamas dos archotes presos nas paredes.
Uzun não a chamou para continuar a subida e Haramis sobressaltou-se. Ele desceu de onde estava com uma garra grossa encostada nos lábios e uma expressão de alarme nos olhos ambarinos. Quando chegou perto dela, murmurou:
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O Trílio Negro - Trilio - Vol 1 - Julian May
FantasiaTrês mulheres, três grandes escritoras de livros de fantasia, reuniram seus talentos para este tipo especial de literatura e criaram uma história mágica, com todos os ingredientes e personagens que fascinam os admiradores de filmes como Guerra nas e...