Capítulo 10

2 0 0
                                    


Kadiya sentou-se, com tufos de grama grudados nos cabelos e na pele pegajosa. Estava ofegante como se acabasse de disputar uma longa corrida. Olhou em volta, trêmula e confusa por um momento, sem saber onde estava e o que tinha acontecido. Sentia o calor abafado e pegajoso do pântano, via pequenas manchas de luz na água que aparecia entre as moitas cerradas. Apesar do calor, sentia arrepios e encolheu-se, com os braços ao redor do corpo. A coisa ainda estava ali.

Esforçou-se para respirar vagarosamente, procurando libertar-se da confusão que a dominava. O que era aquilo? Nada que ela conhecia. Kadiya tinha a impressão de estar encurralada e indefesa, observada por um olho enorme. Só depois de duas tentativas, conseguiu falar, com voz rouca:

— Jagun!

Alguma coisa se mexeu perto dela. O caçador oddling, coberto por camadas de palha da cama improvisada, parecia estar saindo do solo.

Com os olhos semicerrados, por causa da luz do dia, Jagun surgiu do monte de relva seca, com a faca de caça na mão.

— Alguém. — A voz de Kadiya tremeu. Envergonhada daquele pavor, procurou se controlar — alguém está nos procurando.

De pé, o oddling sacudiu o corpo para se livrar da grama. Com as narinas dilatadas, ergueu o rosto, farejando o ar como um animal perseguido. Girou o corpo lentamente, investigando.

Kadiya também ficou alerta. Olhos Penetrantes, eles a chamavam, por sua visão aguçada, mas não via nada de estranho no pântano. De certo modo, porém (e isto era mais alarmante do que um inimigo visível), tinha certeza de que o observador não estava perto deles naquele momento. Magia? De que espécie? Usada por quem?

— Não vejo nada de anormal por aqui — disse Jagun, falando devagar e olhando para ela. — Você sonhou, filha do rei. Descanse. Todos os guardas que conheço estão alertas no pântano. Nada pode nos acontecer sem que eu seja avisado antes. — Bocejou.

Kadiya deitou outra vez na cama na relva, segurando o amuleto. Aguçou os ouvidos. Havia muita vida no pântano, e nenhuma parecia ameaçadora. Tentou separar um som do outro, identificá-los. Assim como havia os caçadores no turnos, havia também os que caçavam durante o dia.

Mas aquele que a procurava havia passado por ela, frustrado na sua busca.

Kadiya falou suavemente:

— Jagun, não sinto mais aquele que nos procurava. — Mostrou o amuleto para ele. — Meu trílio no âmbar nos defendeu — talvez contra a Visão mágica de Orogastus!

— Olhos Penetrantes — disse Jagun —, eu não entendo dessas coisas — apontou para o amuleto. — Mas uma coisa eu sinto. Não devemos esperar pela noite para seguir nosso caminho.

— Skriteks? — Kadiya examinou com atenção o que podia ver do pântano. Largou o amuleto preso ao cordão de ouro e empunhou a adaga. Jagun balançou a cabeça.

— Skriteks eu conheço. Isto, só posso adivinhar. Impressionada com a urgência na voz de Jagun, Kadiya sentiu voltar a sensação de desamparo.

— Orogastus tem seus caçadores — Jagun bateu os pés, apagando os restos da fogueira. — São chamados Vozes e completamente submissos a ele, a ponto de serem meras extensões do feiticeiro. Pode ser que tenha mandado essas pessoas com os soldados armados que pretendem deixar em Trevista..

— Para me seguir! Mas o que fazem essas Vozes, Jagun? Podem se disfarçar tão bem que nem você, que conhece o pântano, é capaz de vê-los?

— Olhos Penetrantes, lembra-se de uma tal Ustrel, na última feira, a quem as pessoas faziam perguntas sobre seus problemas?

O Trílio Negro - Trilio - Vol 1 - Julian MayOnde histórias criam vida. Descubra agora