DEZ ANOS MAIS TARDE
Você está bem! Está tudo bem, apenas mexa-se e deixe a mente vagar para o mais longe possível. Alexandra balançou os braços e esticou as pernas, querendo relaxar os músculos antes de iniciar a corrida. Respirou fundo algumas vezes para acalmar seus batimentos acelerados. Você está bem! Ela repetiu mentalmente, dessa vez com mais convicção.
Olhou em volta para a praça onde estava. Era uma grande praça circular que rendia pelo menos uns três quilômetros de caminhada, passava por uma ponte acima de um lago sempre ocupado por patos e peixes, por um trecho com um arco de árvores que ocultava o sol, mas criava uma visão linda. Isso sem contar nas crianças brincando na grama, nos idosos sentados nos bancos aproveitando o sol. Toda a cor e toda a alegria certamente a acalmavam.
Correr era o seu melhor remédio, sua válvula de escape. Mas não o único, e esse pensamento a irritava. Já fazia dez anos – longos, amargos, sofridos – desde o acidente no qual ela envolveu a mãe, que acabou deixando-a em coma por cinco anos até que, finalmente, o pai decidiu desligar os aparelhos, dando a esposa um descanso afinal.
Foi difícil para todos na família. Ricardo, seu pai, se mudou para a Espanha para iniciar uma nova vida longe das lembranças amargas, isso apenas dois anos após a morte da esposa. Casou-se novamente e sempre entrava em contato com os filhos – os outros dois filhos. Alexandra não sabia dele desde que fez dezoito anos e percebeu que o pai não a queria por perto. Olhar para ela era muito doloroso.
Então ela passou um ano morando com a irmã mais velha, Adriana, mas essa já tinha uma vida formada, era casada e estava esperando o primeiro filho. Então Alexandra arrumou um emprego e alugou um quarto e cozinha num prédio perto do trabalho de Recepcionista. Adriana também seguiu bem, assim como o pai, se mudou para outro estado, bem distante, e teve o segundo filho – que deveria estar com três anos e que Alexandra não conhecia – enviando mensagens e ligando para a irmã nas datas comemorativas.
Alexandra passou por momentos difíceis ao sair da casa da irmã, mas conseguiu aguentar bem, tendo a inesperada ajuda de seu irmão, Arthur, apenas dois anos mais velho que ela. Ele havia tomado um rumo na vida, estava cursando a faculdade de Direito e já estagiava numa firma de Advogados Trabalhistas, ganhando um bom salário e ajudando-a nos momentos mais degradantes.
Ela se envergonhava de pensar em como precisava ir até ele para conseguir jantar quando chegava em casa e descobria que não tinha, nem comida, nem dinheiro. Mas os piores momentos eram durante as crises de ansiedade, o pânico. Ela as tinha desde o acidente, com momentos bons e momentos muito ruins. Não conseguia sair de casa, sentia o coração bater tão rápido que poderia morrer, um peso no peito, um frio incômodo no estômago, sem contar na terrível sensação de que iria morrer, juntamente com o fardo de lembrar-se que a mãe tinha morrido por sua causa.
Durante as crises, que podiam durar horas, ou podiam duras dias, Arthur ia para sua casa e cuidava dela com um zelo que ela não sabia que ele tinha. Era um lado completamente novo, mas que ela agradecia imensamente.
Arthur foi o único a não se mudar, alugou um bom apartamento, apenas há vinte minutos do dela, e cuidou dela por todos aqueles anos.
Mas agora, Alexandra suspirou e iniciou sua corrida. Agora eu estou bem. Conseguiu se formar em Enfermagem e tomava conta dos turnos noturnos em um hospital já que uma insônia insistente a cercava todas as noites. Tinha um apartamento grande, com todos os cômodos, e sempre tinha comida na geladeira.
Não pedia mais dinheiro para o irmão. Tinha vinte e seis anos e não dezoito, não podia mais fazer aquele tipo de coisa e não podia mais viver com o fantasma do acidente.
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Intenso [DEGUSTAÇÃO]
RomansaSINOPSE: Até que ponto o amor supera a dor? Alexandra Henley, aos seus vinte e seis anos de idade, acredita ser uma pessoa danificada para o amor e cheia de problemas, mas ainda assim, uma mulher forte que seguiu com a vida apesar dos traumas. Contu...