17. Pequenas Coisas - Theo

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Ao sair da cama na manhã de domingo eu estava decidido a me focar nas pequenas coisas, como Laís me dissera. Apesar de não saber muito por onde começar, me sentia quase obrigado a fazê-lo como uma forma de agradecer o apoio dado por minha nova amiga.

Liguei para meu amigo com esperança de ele me fazer companhia.

— Então, Klaus, está pronto para um domingo com sinuca e cerveja?

— Claro, eu... — ele abafou a voz, parecia estar conversando com alguém. — Ah, Eunice me lembrou que hoje é a tarde da família na escola dos meninos. Vai ter piquenique e gincanas.

— Fica para a próxima, então.

— Você devia vir com a gente, as crianças vão adorar.

— É uma festa para a família.

— Deixa disso, Theo! Venha passar o domingo com a gente. — Meu amigo falou com firmeza tentando me persuadir.

— Esquece. Vá passar o tempo com sua família, nos vemos no hospital na segunda.

— Tem certeza? Seria legal se viesse.

— Eu ficarei bem, Klaus. Não se preocupe — sorri com alguma sinceridade. — Vá se divertir com seus filhos.

— Qualquer coisa é só ligar. — ele manteve sua preocupação de sempre comigo. — Até mais, meu amigo.

— Até.

Eu não poderia contar com a presença de Klaus para buscar alguma paz interior hoje. Frustrado com o fracasso de minha ideia inicial, eu peguei a chave do carro nas mãos. Talvez Laís estivesse em casa, eu poderia pegá-la para irmos a algum lugar onde teríamos uma tarde agradável juntos.

Contudo quando cheguei a garagem esse pensamento soou inoportuno. Ela já havia me emprestado tantas vezes sua felicidade e aceitado meus disparates emocionais, seria um abuso de minha parte se eu começasse a ir agora a seu apartamento sem ser convidado.

Puxei o ar olhando para os carros estacionados a volta. Era hora de eu começar a me reerguer por conta própria, como o psiquiatra me lembrara. Eu tinha que encontrar as minhas próprias pequenas coisas.

Recordei como os domingos ensolarados e quentes eram os dias preferidos de Clara. Ela me tirava cedo da cama e me fazia acompanhá-la até um grande parque há alguns quilômetros. Lá alugávamos bicicletas e pedalávamos pelas trilhas ao meio das enormes árvores que faziam sombras ao parque.

A imagem dela rindo ao pedalar a minha frente, ao me desafiar a alcançá-la trouxe uma saudade diferente. Não era culpa ou dor, e sim uma sensação de nostalgia. Igual aquela de quando recordamos de nossa infância, sabemos que aqueles bons tempos não irão voltar, mas pensar neles nos faz bem. Não querendo perder essa nova sensação, dirigi até o parque.

Antes de sair do carro, observei por um tempo os casais e as famílias que tornavam aquele lugar colorido e barulhento. Cada um daqueles estranhos traziam a minha mente um pedacinho de minha antiga vida ao lado de minha esposa.

Era como se eu a pudesse ouvir em cada sorriso, em cada casal apaixonado, em cada criança arteira, como se ela estivesse ali ao meu lado no carro a sussurrar ao meu ouvido seus habituais comentários sobre a vida alheia.

Clara não podia ver uma cena de família ou de namorados sem me cutucar e discorrer algum comentário engraçado ao tentar imaginar como era a vida dessas pessoas.

Ás vezes ela fingia saber o que outras pessoas ao longe diziam e fazia uma espécie de tradução, inventava muitas intrigas e dramas familiares. Eu apenas revirava os olhos e dizia que ela devia estar errada, que as conversas alheias deveriam ser muito mais simples do que ela imaginava. Afinal, naquela época, para mim a vida parecia tão menos complicada.

Saí do carro e andei por entre as árvores, pensava se as pessoas que me olhavam passar faziam o mesmo que Clara. Se tentavam imaginar como era minha vida. Senti-me incomodado. Será que os estranhos conseguiriam decifrar o verdadeiro motivo de minha solidão? Conseguiriam ver em minha silhueta os pedaços do que eu fui um dia fazendo força para se manterem unidos para tentarem sustentar aquele corpo?

Arfei com o pensamento, lutando para não me deixar ser levado à escuridão novamente. Afastei-me dos lugares mais frequentados e me sentei na raiz alta e larga de uma árvore a beira do lago onde patos nadavam atentos na espera de pedacinhos de pães.

Como era difícil encontrar as tais pequenas coisas. Eu forçava meus olhos a captarem algo, mas aquele lago, aqueles patos, aquelas pessoas se divertindo e o sol, começavam a pesar no meu coração. Eu não devia ter vindo em um lugar onde as lembranças de Clara eram tão fortes.

Levantei-me e andei em direção ao carro, reconhecia que eu ainda precisava de algum tempo para me acostumar com essa nova possibilidade de descobrir coisas boas. Era muito difícil se desapegar das ruins.

Quase onde deixei meu carro, havia um jovem com rastafári, brincos e uma roupa colorida. Ele cantava e tocava violão em troca de algum dinheiro.

Meu primeiro movimento foi passar sem lhe dar atenção, mas ele começou a rodear as pessoas próximas a ele, em uma dança animada convocando todos a participarem.

Rapidamente se formou um grupo de crianças, pais, adolescentes, homens e mulheres. No começo alguns se balançavam de modo tímido, enquanto outros apenas observavam confusos. Então a alegria daquele artista de rua pareceu contagiar as pessoas e quando eu cheguei ao meu carro, os que assistiam já dançavam animados.

Aquilo chamou minha atenção. E aos poucos meu coração também se contagiou, não cheguei a dançar, contudo, sorri com sinceridade.

Aquele artista contagiara as pessoas ao redor com sua música otimista, como Laís fizera comigo. Possibilitando que as pessoas se despissem de seus problemas e encontrassem, ali naquele momento, uma razão para sorrirem.

Ao final da apresentação, as pessoas o agradeceram dando dinheiro e aplausos, até eu tirei uma nota de minha carteira e estendi para o artista.

Liguei o carro, me sentia contente. Eu havia encontrado uma pequena coisa para iluminar meu domingo: Uma performance artística animada. Talvez não fosse tão difícil encontrar outras pequenas coisas para aos poucos fazer com que minha vida voltasse a seu eixo.

Enquanto eu dirigia para meu apartamento eu pensava no sorriso de Laís quando eu lhe contasse que finalmente compreendi como era importante nos deixar levar pelas pequenas coisas de cada dia.

Laís havia acolhido meu choro, compreendido minha escuridão, segurado minha mão e me mostrado como encontrar novamente meu equilíbrio. Ela era especial, era a melhor coisa que havia me acontecido nestes últimos três anos. 


Corações RessuscitadosOnde histórias criam vida. Descubra agora