27. Atordoamento - Laís

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Minhas pernas estavam bambas ao entrar no apartamento. Suspirei aliviada por minha mãe ainda não estar em casa, precisava desesperadamente pensar sobre o acontecido no estacionamento.

Atirei-me sobre a cama, tapei o rosto com o braço na tentativa de colocar os pensamentos em ordem. Theo me beijou, e eu não me afastei. Deveria ter me afastado... Como chegamos a isso?

Theo era apenas um amigo, e assim deveria continuar. O problema estava na sensação explodindo em meu peito depois de um abraço prolongado e um beijo roubado em seguida. Fora um beijo estranho, unilateral, e mesmo assim eu estava quase convencida do desejo de repeti-lo.

Como posso pensar assim? Como posso sentir essas coisas? Que tipo de pessoa horrível eu sou? Tenho um cara disposto a mudar sua vida só para estar ao meu lado e que já esta de passagem comprada, e eu aqui pensando na possibilidade de voltar a beijar outro.

Olhei-me no espelho em busca de reconhecer aquela estranha que eu me tornara. Se me perguntassem no dia anterior, eu teria dito com confiança que sou uma boa pessoa, e até um pouco altruísta. Alegrava-me de ajudar os outros, principalmente aqueles que estivessem a sofrer no hospital, além de fazer o possível para sorrir quando eu só queria chorar apenas para deixar minha mãe menos triste.

Agora, eu era outra pessoa, uma pessoa egoísta e horrível. Uma pessoa capaz de desejar trair Cauã, de deixar que outro me beijasse, e o pior, eu havia gostado.

O que havia de errado comigo? Cauã sempre fora meu melhor amigo, e quando finalmente eu aceito seus sentimentos e começamos a planejar um futuro juntos eu sucumbo a primeira tentação.

Angustiada, andei pelo pequeno quarto. O que farei agora? Eu devia contar a Cauã e pedir perdão? Conversamos tão poucos nesses últimos dias sobre assuntos realmente importantes, que talvez tivéssemos perdido o jeito de fazê-lo. Eu não saberia nem por onde começar a falar, ou como me justificar pelo ocorrido.

E na verdade não tinha uma justificativa plausível. Não dava para dizer que foi um acidente, um ato sem nenhum significado. Eu poderia contar sobre o beijo roubado, mas estaria mentindo sobre as consequências deste dentro de meu peito, e isso seria mais errado de minha parte do que não dizer nada.

Respirava acelerado, olhei o relógio com a certeza de que Cauã logo me chamaria para nossa conversa online. Como eu poderia olhar para o meu futuro namorado? Como eu poderia contar a verdade ou fingir que nada aconteceu? Eu não sabia de mais nada, apenas que não queria magoá-lo. Cauã era importante para mim, e eu não sei se aguentaria perdê-lo para sempre.

E ainda havia outra possível perda em andamento. Involuntária, passei os dedos sobre os lábios ao recordar do beijo roubado. O que eu faria em relação a Theo? Por que raios ele decidiu me beijar? Será que foi mesmo algo impulsionado pela felicidade dele ter alcançado sua grande coisa? O que ele pensava ao fazer isso?

Talvez aquele momento no estacionamento não representasse nada. Talvez fora apenas um beijo, não interferiria em nossa amizade, ao menos por parte dele, pois para mim eu não tinha tanta certeza. Seria difícil manter uma espontaneidade com ele depois disso.

— Droga, Theo! — xinguei ao vazio do quarto. — Por que fez isso? Deveríamos ser apenas amigos. Por que criar esse constrangimento agora?

Voltei a deitar na cama abraçando o travesseiro. Eu tinha meu novo futuro de vida saudável planejado, as coisas estavam indo bem. Eu teria um namorado por quem eu sentia grande afeto e uma nova amizade promissora, e de repente tudo virara de pernas para o ar.

Como continuaria meus planos com Cauã depois de minha traição? E como seria amiga de Theo se meu corpo sentia atração por ele? Relacionamentos deviam ser menos complicados, cada um devia estar em seu papel e não essa mixórdia de sentimentos.

A chamada online de Cauã me fez sentar assustada da cama. Meu peito ardia, o suor nervoso escorreu por minhas costas enquanto minhas mãos estavam frias. Como eu olharia para ele depois de ter aceito o beijo de outro?

— Sabe o que já comecei a organizar? — ele apareceu na tela de meu notebook sorrindo. A culpa emudeceu-me. Se ele soubesse como meus lábios estiveram selados a outros menos de uma hora atrás... — A minha mala para ir para aí, afinal volto do acampamento no domingo e segunda cedo já é o horário do ônibus para nossa nova vida.

Ele sorria animado, eu apenas acenei sem conseguir dizer nada. Eu era uma pessoa horrível, ele arrumava as malas e pensava em nosso futuro enquanto eu havia beijado outro no estacionamento do hospital.

— Ei, Laís! Você está bem? — ele aproximou seu rosto da tela, reconhecia em minha expressão e falta de palavras que havia algo errado.

— Estou. — sussurrei com a garganta seca. O que dizer?

— Pensei que ia ficar animada quando eu te contasse sobre a mala. — Cauã continuava a me fitar com as sobrancelhas erguidas, desconfiado de minha falta de reação.

— Fiquei feliz. — disse em reflexo.

— Nem acredito que faltam menos uma semana — ele sorriu largo, e seus olhos brilharam. — Já não aguento de ansiedade.

— Nem eu. — soltei em um suspiro sincero, embora no momento minha ansiedade fosse por não saber o que fazer e sentir.

— Sabe, eu até comprei um daqueles livros que você me disse.

— Comprou? — a surpresa me afastou por um tempo dos outros sentimentos.

— Não sei se vou ter paciência em ler, mas vou tentar — ele confessou. Ele fazia tanto por mim, por que eu me sentia mais confortável com isso? — Sei como os livros são importantes para você, e agora que vamos estar juntos... — Cauã sorriu e eu tentei fazer o mesmo.

Cauã falava empolgado sobre como seria maravilhoso estarmos juntos enquanto eu tentava compreender quais os sentimentos em meu coração. Ele sempre esteve ao meu lado, me apoiou nos momentos mais difíceis de minha doença. Seu amor por mim fora uma presença constante, assim como minha estima por ele.

Ele me cobria de paz e segurança. Eu o conhecia profundamente: era fácil interpretar o que ele desejava, o que insinuava, além de ser agradável sua conversa e seu toque.

Por outro lado, Theo me causava sentimentos confusos, havia a possibilidade de ser um encontro acompanhado de choro e conversas profundas, ou simplesmente um momento divertido. Era um desafio. Mesmo antes do beijo não havia palavras exatas para compreender meus sentimentos na companhia dele, apenas sabia que não podia evitar pensar nele. E agora isso ganhara uma força maior com a presença de uma intrigante atração física.

Mas eu não podia me deixar influenciar. Não poderia simplesmente deixar que um beijo com outro atrapalhasse uma amizade de anos e a continuidade de meus planos de futuro com Cauã. Uma atração física não devia ser nada, não devia ser motivo para jogar fora todo o resto. Afinal, Cauã dividira meu passado, e era ele que deveria estar em meu futuro. 


Corações RessuscitadosOnde histórias criam vida. Descubra agora