20. Mancha - Theo

283 31 9
                                    

Quando estacionei à frente da locadora, surpreso, eu me percebi cantarolar a música que tocava no rádio do carro. Sentia-me particularmente bem, como há muito não experimentava, nem o fato de ter recebido olhares tortos dos colegas da emergência por não ser mais um dos cirurgiões do local havia alterado meu bom humor.

Andei pelos corredores a procura de um ótimo filme para assistir com Laís. Havíamos nos telefonado mais duas vezes, durante os intervalos de meus plantões na emergência. Ela tinha uma constante ansiedade na voz, como se a aproximação da visita do tal Cauã a deixasse mais agitada.

Essa sensação de expectativa tinha um bom sabor, lembro quando me apaixonei por Clara. Seus olhares e piadinhas pareciam mostrar que ela se interessava por mim, mesmo assim eu enchia Klaus de perguntas sobre quais eram os sentimentos dela.

Antes que Clara desse um ponto final nessa lenga-lenga e me agarrasse em seu apartamento só havia dúvidas angustiantes em meu peito. Entre as provas da faculdade eu me perguntava com constância se o que eu sentia era real, se nos acertaríamos como casal, ou se era apenas uma fantasia. Eu já havia tido outras paixonites, e em alguns casos eu só encontrei decepção ao perceber que o que eu imaginava não condizia com a realidade. Mas assim que Clara me beijou eu soube que esse não seria o caso, formaríamos de modo real um ótimo casal. Suspirei pensativo, sem tristezas ao recordar do passado.

Olhei para os filmes de fantasia, ponderava se algum iria agradar de verdade Laís. Eu queria escolher um especial, um filme que marcasse nosso tempo junto. Pois em breve essas noites acalentadoras de sessões de filmes seriam extintas, haveria a presença constante de uma terceira pessoa.

Não era certo considerar Cauã como um intruso em nossa jovem amizade, afinal o intrometido era eu. No entanto eu passara tanto tempo perdido na escuridão de um buraco profundo, e agora que havia sido iluminado pela amizade de Laís, eu começava a perceber que seria difícil dividi-la com ele.

— Poderia me indicar um romance? — disse ao atendente. Laís gostava desse tipo de filme, era minha última chance de mostrar como eu me importava com nossa amizade, escolheria algo para ela independente de ser ou não de meu agrado.

— O doutor quer um romance? — o garoto com cabelos arrepiados e uma argola atravessada no lábio inferior me fitava debochado. — Que tipo de romance?

— O tipo que mulheres gostam. Mas, por favor, nada muito meloso ou dramático.

O garoto me olhou como se eu fosse um Ser de outro planeta e chamou uma das atendentes, uma garota rechonchuda com o cabelo coberto de micro borboletas coloridas.

— Quer um filme romântico? Eu também adoro esses. — Ela desapareceu entre as prateleiras forradas por DVDs. A segui apenas para fugir do olhar do outro atendente que balançava a cabeça reclamando algo como "as pessoas não dão mais valor aos filmes de terror hoje em dia". Ela parou a frente de uma prateleira e por um tempo olhou os títulos até que puxou um dos DVDs com orgulho. — Esse é perfeito! Tem um lindo caso de amor, mas também é divertido. — e ao entregar o DVD para mim deu um risinho tímido. — O ator principal até têm os olhos verdes como os seus. Você vai adorar esse filme?

— Obrigado pela ajuda.

Agarrei o DVD e saí o mais rápido possível, os olhos brilhantes da garota em minha direção me incomodaram. Além de não estar a fim de explicar que a escolha não era para mim e sim para agradar uma amiga.

Dirigi até o apartamento de Laís, só me dei conta como já estávamos próximo do Natal ao ver as luzes coloridas brilharem pela cidade. Desci do carro antes desse fato me atingir, épocas de festas em família eram especialmente dolorosas quando já não se tinha com quem compartilhá-las. Provavelmente eu me colocaria na planilha de plantão nesse dia e faria o melhor para manter minha mente ocupada, esperava que fosse um pouco mais fácil do que no Natal passado.

Corações RessuscitadosOnde histórias criam vida. Descubra agora