Capítulo 5

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10 anos atrás.

Pedro lembra-se de estar acordando de um escuro pesadelo, já quase sem lágrimas para chorar, de joelhos em frente a um mar de túmulos feitos de cimento. E olhava para a plaquinha de sua mãe: "Helena: mãe e amiga amada", sabendo que toda a base da sua vida havia acabado de ser enterrada diante de seus olhos, embaixo de seus pés.

— Parece que não foi a doença. — disse uma voz longínqua.

— É. Dizem que foi de desgosto pelo menino ter se perdido.

— Desgosto? Ouvi dizer que o que aconteceu mesmo foi uma bala perdida.

E Pedro levantou os olhos, afastando os cabelos encharcados da testa e vendo dezenas de guarda-chuvas caminhando pelo caminho que levava até a pesada porta de ferro, para a rua. Alguns passavam por ele e lhe davam um beijo, um abraço, ou um tapinha leve nas costas. Mas nenhum parava para lhe dar a mão e acompanhá-lo até a saída. Então Pedro olhou para a plaquinha, perguntando-se o que seria dele. Para onde iria? Porque agora, mãe?

Uma mão apertou seu ombro. Era Henrique, rapaz de cerca de 20 anos.

Brother. Passe lá em casa pra gente conversar. Vou te dar um dinheiro por enquanto, até você se estabelecer. Depois, quando tudo ficar nos conformes, converso sobre manter seu emprego com o chefe.

Pedro assentiu, sem forças para falar. O garoto deu-lhe outro tapinha, e seguiu junto com a multidão para a porta do cemitério.

— Pai. — disse Manoel, o rosto cheio de espinhas e voz fina, à distância, mordendo as unhas enquanto observava Pedro. — A gente não pode deixar o Pedro ali.

— Filho, é a vida. — disse Tom. — Não tem nada que possamos fazer.

— Mas ele é meu amigo. A gente brincava de carrinho antes da Helena parar de trabalhar lá em casa. A gente foi até naquela festa que teve na cobertura na zona Sul juntos.

— Festa? Que festa, menino? — Tom lançou-lhe um olhar duro.

— Nenhuma festa. A gente foi... No cinema. — coçou a cabeça. — Só no cinema. Nem era na zona Sul. Era... Sei lá.

— Olha, sentimos muito carinho por ele. — disse Carla, mãe de Manoel. — Mas não há nada que possamos fazer.

— Ele já entrou num caminho ruim. — acrescentou Tom. — Eu contei a vocês que ele apareceu lá na delegacia naquelas condições. Agora, se você ainda me diz que ele te levou pra uma festa na zona Sul, tenho certeza de que não é boa companhia.

— Não teve festa nenhuma. — Manoel engoliu em seco. — Mas, só pra constar, se tivesse tido uma festa, numa situação bem hipotética, o Pedro teria me dito que era muito feio mentir pra vocês.

Tom revirou os olhos.

— O serviço social vai mandá-lo para um lar, filho. Não precisa se preocupar com ele.

— Claro. — e Manoel revirou os olhos. — E vocês dois iriam ficar muito felizes se eu ficasse jogado assim, no cemitério, esperando que alguém viesse me botar num orfanato?

Carla suspirou.

— Bom, oferecer um dia de banho quente e comida fresca não vai nos fazer mal algum, Tom.

— Tudo bem. — respondeu ele. — Espere aqui, filho.

E Tom e Carla andaram em direção a Pedro, que mantinha os olhos vazios. Carla pegou sua mão trêmula e a envolveu com toda a segurança que poderia passar. Tom ajoelhou-se ao seu lado.

O Preço da JustiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora