Eduardo fitava para os inúmeros prédios que cercavam a Avenida Paulista, através da janela de seu imponente escritório no 14º andar do edifício "Workstation Building", enquanto o crepúsculo já deixava o céu com aquela incrível cor avermelhada que ele sempre admirava nos fins de tarde. Apesar de adorar aquela vista, naqueles dias esta prática estava tornando-se cada vez mais rara em decorrência do excesso de serviço, onde os dias viravam noites sem que ele pudesse perceber, afogando-se em serviço sendo o melhor exemplo para traduzir a palavra de origem inglesa: "workaholic".
Entretanto, hoje era sexta-feira, e Eddie - como gostava de ser chamado pelos amigos, pois achava Eduardo normal demais para si mesmo. Faria igual aos outros executivos que deixavam os prédios aos arredores para o esperado "happy-hour" dos trabalhadores, ainda mais que ele tinha outros planos em mente. Esperava sair mais cedo, pois prometera para sua jovem e linda esposa que esta noite eles sairiam e passariam todo o final de semana juntos para compensar o péssimo marido que ele havia se tornado nestes últimos tempos.
Mas antes que Eddie abandonasse seu escritório, um som eletrônico famigerado, quase que infantil, chamou sua atenção e fez com que ele voltasse seus olhos para a tela de LCD de 21" de seu notebook de última geração. Era um antigo amigo que acabara de chamá-lo por um aplicativo de comunicação instantânea (troca de mensagens), com a seguinte frase:
"- E aí véi? Como estão as coisas aí em Sampa? Vai ter um joguinho de RPG com a galera da faculdade, para relembrar os velhos tempos. Amanhã à noite! Vamos?"
Quem havia chamado era Nakata, seu amigo da universidade que costumava jogar os mais variados jogos com ele e sua turma há alguns anos atrás. Especificamente, o jogo de RPG mencionado, cuja sigla significava Role Playing Game, ou seja, traduzindo para o português, Jogo de Interpretação de Papéis, era um tipo de jogo onde cada jogador adotava um personagem, preenchendo inclusive uma ficha com as características, assim como um ator num filme. Aquela frase trouxe lembranças ótimas na cabeça de Eddie. Foi uma boa época.
Apesar do terno e do ar de responsabilidade, Eddie era bem jovem e não tinha muito tempo de formado. Contava hoje com seus 26 anos e havia terminado o curso de direito pelo campus da UNICAMP em Campinas, onde lá conheceu pessoas com os mesmos interesses seus, apesar da maioria destes cursarem graduações diferentes. Apesar de ter ficado bem empolgado com o convite de seu companheiro de "aventuras", Eduardo recusou educadamente:
"- Falae japonês!!! Aqui em Sampa estou numa correria só. Fiquei com muita vontade de jogar, tomar aquela gelada e ficar batendo um papo até de madrugada junto com a galera, como fazíamos nos velhos tempos, em volta da mesa com todos aqueles livros e fichas de personagens, lembra? Mas prometi para a Samantha que iríamos passar um tempo juntos. Se ela ficar sabendo que vou jogar com vocês ela vai se lembrar também do tempo de faculdade, quando ela ficava reclamando dos nossos jogos, aí já viu né!? Abraços rapá, qualquer coisa te dou um toque!"
Assim, Eddie enviou sua mensagem e iniciou o procedimento padrão de retirada, que era como ele gostava de chamar, que consistia em desligar o computador, juntar os documentos, colocar na pasta de "análise de fim de semana" e sair da sala apagando as luzes. Usualmente, estes passos eram feitos por uma das últimas pessoas a sair do prédio, deixando apenas o porteiro tomando conta do local, mas hoje não. Hoje Eddie sairia até mesmo antes de sua secretária e iria chegar mais cedo em Bragança Paulista, sua cidade natal, para cumprir com sua promessa. Afinal de contas, Eddie sabia que se ele demorasse mais um pouco pegaria o "rush-hour" e ele odiava aquilo. Além do mais, ele é mais um dos milhões de pessoas que trabalham em São Paulo mas moram nas cidades vizinhas. A única vantagem e diferença é que Eduardo possui um apartamento alugado por seus patrões na mesma quadra da empresa onde trabalha, para evitar de ter que pegar a estrada todos os dias. Mas em contra-partida, só conseguia ver sua mulher nos finais de semana e esta já começava a questionar quando eles parariam com a correria e tentariam criar filhos.