Entre uma encarnação e outra

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Era apenas mais um dia de trabalho no plano espiritual e te digo que se você acha que já viu de tudo ou que está louco se prepara! Porque vai piorar daqui pra frente! Vou te contar uma história, sobre como vim parar aqui:

Precisei dar um pulo no mundo dos encarnados, mais precisamente na prefeitura municipal de São Paulo para resolver um probleminha. Entrei na grande sala e vi ali, sentado e prostrado numa cadeira enorme que lembrava um trono de um rei antigo, um homem que outrora fora austero porém agora apresentava-se quase que desfalecido. Contei quatro vultos negros ali grudados nele, sugando suas energias. Há! Esqueci de mencionar, sou um espírito, como aqueles vultos que estavam ali na minha frente, mas não necessariamente iguais, somos de classes bem distantes! Havia algumas pessoas encarnadas, ou seja, vivas, ali também. Mas não importava agora, deste lado de cá da realidade o que conta é a missão que vim realizar. Voei rapidamente, fazendo balançar meu sobretudo materializado como que se fossem asas de um anjo, colocando-me defronte aos agressores espirituais, dizendo enquanto estendia as mãos:

- Peço com gentileza que parem de atormentar este pobre homem...

- Um absurdo! Ele é um político corrupto! CORRUPTO! Vamos continuar aqui até que ele desencarne! Vá embora! - um dos vultos malignos respondeu furiosamente.

Dei um leve sorriso. Eu sei que não deveria mas gosto quando eles não colaboram logo de cara. Isso me faz expressar no modo artístico como gosto de resolver essas coisas. Assim, num movimento rápido retirei, ou melhor, materializei uma katana - uma espada samurai - de uma bainha presa nas costas de meu sobretudo, e no melhor estilo de filmes de ação ou de super-heróis que eu adorava quando encarnado, causei uma expressão de terror no rosto das criaturas que ali encontravam-se. Mesmo assim, o ser que respondera rispidamente e que parecia ser o mestre dentre aqueles, disse aos demais:

- Acabem com este espírito de luz metido a besta e arrastem-no para o abismo!

- Não!!! Não está vendo que ele é o CAÇADORDE DEMÔNIOS ?!!! - respondeu amedrontado um dos outros vultos.

- Seus tolos ignorantes, isto não passa de uma lenda! Vão logo! Vocês estão com medo do que? Já estão mortos mesmo! - insistiu o mestre daqueles pobres espíritos ignorantes.

Com essas últimas palavras, os vultos convenceram-se e pularam para me atacar, mesmo que receosamente. Não tendo alternativa, engajei-me em combate com eles. Como disse acima, confesso que gostei... "Tá" certo, eu sei... É pecado e blá blá blá... Mas na maioria das vezes que chego perto desses espíritos inferiores, eles saem correndo como diabo foge da cruz. Fazia um certo tempo que eu não tinha nenhuma ação como esta na minha "vida" espiritual. Na maioria das vezes acabo fazendo mesmo é o trabalho de resgate de recém-desencarnados que ainda estão confusos com sua atual situação.

Durante a luta, que eu poderia até descrevê-la livremente, entretanto julgo melhor não o fazê-lo para deixar para a sua imaginação especificamente, apenas um momento interessante gostaria de frisar que foi uma verdadeira cena cinematográfica: durante o furor do combate, os encarnados continuavam agindo normalmente, afinal de contas eles não podiam ver "fantasmas"! Mas uma jovem senhora abriu as gigantescas janelas, queixando-se:

- Meu Deus! Como está escuro e abafado aqui. Isto só está piorando o estado do Sr. Prefeito...

Neste momento, o vulto "falador" saiu voando pela janela, após meu pontapé bem em cheio no meio de seu peito. Outros dois fugiram, o que ficou, perplexo com tudo, encolheu-se num canto, com medo e envergonhado da surra que levara, tremendo ao perceber que realmente estava diante do "caçador de demônios".

- Por Deus! Quando você vai evoluir??? Estes seus métodos infantis e pouco ortodoxos assustam o pessoal lá em cima. - respondeu rispidamente uma senhora, envolta em uma luz branca e com ar áspero, porém de "vovózinha", que você sabe que sempre pode confiar...

- Senhora Débora! Que prazer vê-la por aqui tão prontamente. Veio trazer o remédio para levantar o prefeitão aí? Me desculpe, mas meus métodos meio doidos funcionam às vezes! Acabo de recrutar mais um pro nosso time! - naquela hora, estendi a mão para o vulto que estava acuado no canto da sala. Apesar de aterrorizado, senti que ele foi tocado e possuía vontade de evoluir e sair da situação em que se encontrava. Ele, vagarosamente, deu as mãos para mim e levantou-se, pedindo perdão e orando para que Deus também o perdoasse.

A senhora Débora trabalha na mesma função que eu, sendo uma "socorrista" do mundo espiritual. Fazendo uma ligação entre os encarnados e desencarnados da Terra. Sejam este doentes, recém-desencarnados ou encarnados assombrados por espíritos dos quais lhes carecem o conhecimento necessário para evoluirem, em sua maioria, aqueles que não aceitam a morte.

A minha colega ficou ali medicando o necessitado e eu percebi que o outro vulto metido à besta ainda encontrava-se na rua, mesmo depois de eu ter arremessado-o da forma que fiz. Pulei da sacada ao encontro dele, dizendo, enquanto sorria:

- Faça igual seu amigo lá! Venha para o lado branco da força irmão.

- Maldito, caiu na minha armadilha! Acha que tudo isso aqui é brincadeira? Bancando o super-herói, parafraseando filmes e personagens do mundo dos encarnados? Hoje te arrasto para o abismo onde permanecerá lá até o final dos tempos! - resmungou rispidamente o espírito maléfico.

No mesmo instante, uma horda de espíritos iguais a ele surgiram como que do nada. Foi uma luta ferrenha. Fiquei abismado com a quantidade e como ele tivera a capacidade de organizar e atacar tão diretamente daquela forma. Nunca vi algo assim. Confesso que senti uma pontada de medo percorrer meu corpo espiritual, o perispírito, mas durante toda a troca de socos e pontapés lembro-me do salmo da bíblia que mais gosto:

"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum pois ELE está comigo"

Ao terminar o combate, já cansado por ter utilizado todas as minhas energias espirituais para devolver aqueles inúmeros espíritos ao abismo, escutei, meio que desacreditado:

- Caramba, que legal esse filme que estão rodando por aqui! Olha a coreografia do cara de sobretudo!

- Olhei para trás instigado e surpreso ao ver aquele jovem encarnado me fitando. Não acreditei como as coincidências do destino que apenas se confirmaram, pois lá em cima falam muito de você caro Eduardo, ou melhor, Eddie, como você gosta de ser chamado. Bem, esta e outras coisas são o que acontecem normalmente entre uma encarnação e outra, quando você não está no plano terrestre. Toda a ação acontece aqui, por trás das cortinas. Venha, acompanho vocês até o centro espírita, pois temos assuntos importantes à tratar. Enquanto isto, continuo a minha história...

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