Bella

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Quando a música começou a tocar ao fundo, Reyna pensou consigo mesma: a Ecstasy está aberta para mais uma noite.



Estava fazendo a própria maquiagem diante um espelho do camarim quando Bella entrou. Com os cabelos roxos, suas madeixas caíam livres e naturalmente sobre os ombros. Usava um roupão branco, assim como todos ali, com a inicial B, de Britney, gravada nas costas. Bella, assim como todos as garotas e rapazes dali, estava se preparando para assumir seus personagens para mais uma noite de trabalho.



-Precisa de ajuda com a sombra? - Bella se ofereceu.



-Não obrigada - respondeu Reyna - Já estou quase acabando.



-Está tudo bem, Reyna?



Ela se sentou em uma cadeira ao lado de Reyna diante de outro espelho. Atrás da boate da Ecstasy ficavam os vários camarins que todos dali usavam para se preparar todas as noites. Cada espaço como aquele possuía três cadeiras diante espelhos de maquiagem que lembravam à Reyna os bastidores da Broaday, só que, obviamente, menos glamourosos.



Reyna sabia exatamente ao que Bella estava se referindo. Ela, assim como Ycaro e Peter, ouviu parte da conversa entre ela e Circe Mallone, e vira quando Peter falou à dona do cassino que se casaria com Reyna na primeira oportunidade.



Até aquele momento, não dera qualquer explicação a nenhum deles, mas prometeu a si mesma que, quando estivessem em casa novamente, revelaria tudo a eles.



-Estou sim - ela disse tentando parecer o mais natural possível, embora soubesse que não estava convencendo - Prometo que explicarei tudo a vocês depois.



Bella assentiu e continuou:



-Este salto está dilacerando o meu pé - confessou ela, ficando descalça - Parecem instrumentos de tortura. Você tem algum sobrando?



-Claro. Atrás da arara tem um a par que trouxe a mais.



Com um último retoque na sombra, Reyna concluiu a maquiagem.



Para aquela noite, a maquiagem dela seria diferente da que normalmente usava. Esta era um pouco mais carregada, com bochechas rosadas, os olhos como os de Cleópatra, um misto de sombra dourada com um tom de verde nas pálpebras, os lábios mais discretos com um tom de rosa, mas ainda sim, sensuais.



-Está linda - elogiou Bella.



Olhando para si mesma, Reyna não se reconheceu. Aquela que estava diante de si, refletida naquele espelho, era Afrodite. A mulher que era cobiçada pelos homens da Ecstasy, não mais a Reyna Vinner de Mattsville.]



"Transformara-se em outra pessoa, Reyna", pensou consigo mesma. "Agora você é Afrodite".



Como que em uma espécie de ritual, ela fechou os olhos e tentou afastar as imagens dela mesma se insinuando para os homens em troca de dinheiro ou nos tantos com quem ela fazia sexo sem sentir nenhum prazer. Tentava lembrar a si mesma que aquela era uma situação temporária, que fazia o que fazia apenas para se estabelecer economicamente. Sairia daquela vida o quanto antes.



Ela repetia o mesmo processo todas as noites em que ia trabalhar na boate, uma espécie de âncora que a prendia em seu verdadeiro objetivo. Tanto ela quanto Peter não queriam levar aquela situação adiante por muito mais tempo, já que tinham outros planos em mente.



A esperança deles era que, em uma dessas apresentações na Ecstasy, que algum produtor musical reconhecesse o talento que tinham e quisesse investir neles. Entretanto, até aquele momento, não estava nada sendo fácil. Uma vez, até apareceu uma produtora ali, mas o único interesse que tinha era no corpo dela. Reyna se recusou a dormir com ela e Peter a ignorou.



-Até quando teremos que passar por isso? - perguntou Reyna, encarando a amiga que havia calçado os sapatos e estava ajudando ela com o cabelo.



-Não sei Reyna - respondeu Bella - Talvez esta seja a noite em que a sorte sorrirá para nós ou pode demorar mais alguns meses. Você, melhor do que ninguém, sabe o quão incerto são essas coisas.



Reyna assentiu com um leve suspiro enquanto Bella terminava de arrumar seus longos cabelos castanhos que, naquela noite, estavam levemente cacheados e caíam livremente sobre seus ombros. Afastando um pouco a franja de cima dos olhos, ela viu como Afrodite estava linda.



-E aquela fantasia ali atrás? É para você? - perguntou ela.



-Para a Afrodite - corrigiu Reyna - Achei ridícula.



-Não tanto quanto a minha querida. Sinceramente, até deu um pouco de inveja branca ao vê-la. Você vai ficar uma...



-Bruxa? - perguntou Reyna, indiferente.



-Feiticeira. É mais gentil usar este termo. Bruxa faz apologia a caldeiros burbulhantes com velhas caolhas e verrguentas mexendo com a vassoura.



-Um pouco mais de olhos de sapos e asas de morcego, e então estará perfeita a minha poção! - brincou Reyna, imitando uma voz de bruxa.



-Oh, por favor senhora bruxa! Não me transforme em pedra! - brincou Bella, que logo em seguida gritou para um dos rapazes que passavam pelo corredor - Hey, Nevillle! Venha cá e veja como está a nossa mestra feiticeira hoje. Está ou não de meter medo?



O rapaz loiro e esbelto entrou no ambiente e observou Reyna com atenção. Era outro amigo que fizeram desde que entraram na Ecstasy. Observou a maquiagem e o penteado dela e em seguida, viu a fantasia no cabide.



-Na minha opinião, Kerolle que se cuide porque está poderosa hoje - e desatou a rir, em conjunto a Bella. Reyna se apressou e fechou a porta, e começou a rir também.



-Neville você é impagável mesmo! - disse a jovem - Mas muito obrigada pelo elogio.



Reyna se reverenciou em sinal de agradecimento, o que arrancou mais risadas dos dois. Por mais que a situação estivesse crítica, Reyna buscava sempre descontrair. Como dizia Iolanda Wetlan, "é melhor sorrir e encarar a vida de bom humor do que ser teimoso e ficar de birra com os problemas".



E esta era a sua filosofia de vida para sobreviver aquele período da Ecstasy.



Uma leve batida na porta os interrompeu. Ycaro, vestido com um calças pretas e uma camisa de cetim branco sob um longo casaco negro entrou. Assim como Neville e todos ali, as fantasias que usavam naquela noite eram especiais. Com um simples puxão, o velcro que prendia aquelas roupas se soltaria e revelaria os corpos seminus por baixo delas.



-Circe quer que entremos em cena agora.



"Entrar em cena", ali, era o mesmo que "subir no palco para se vender".



Naquela noite, todos estavam vestidos com fantasias escuras de feiticeiros e bruxas para a chamada "A Magia da Sedução". A boate havia recebido uma decoração especial, com uma trilha sonora diferente e ali todos seriam magos brincando com os desejos sexuais dos clientes.



-Já vou - respondeu Bella - E você Reyna?



-Vou depois. Podem ir.



Ao ver o vulto negro de Bella saindo pela porta junto com Neville e Ycaro, Reyna se levantou e foi em direção à roupa pendurada na arara. De fato, era muito bonita, mas ela preferiria não ter que usá-la. Contudo, ela não tinha muitas escolhas. Naquela noite, ela e Peter tinham uma apresentação e aquela podia ser a chance que tanto ansiava. Ou talvez não. Mas tinha que correr o risco, mesmo com a sua esperança cada vez menor.



De costas para a porta, Reyna ouviu quando esta se abriu e alguém entrou. Pensou que fosse Bella ou Ycaro que esqueceram algo, mas se enganou. Ao se virar, viu Peter, com uma fantasia que era a versão masculina da que ia usar. Estava lindo de morrer.



-Reyna, preciso falar com você. É urgente.


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