Interprisão Consciencial

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O pior mal do ser humano não é a ignorância, mas sim não querer sair dela. A princípio, pode-se afirmar que a ausência de conhecimento é natural, pois é na vivência, entre erros e acertos, seja de si ou de outrem, que se é forçado a progredir, acertar, errar menos. De tanto errar chegará o dia de não mais suportá-lo. E, a partir de então, com a lucidez que o próprio indivíduo adquire através de suas repetitivas experiências, caminhará cada vez melhor.

Entretanto, existe um tipo de ignorância excessivamente patológica, quase irremediável, que se apresenta na figura de extrema sabedoria [absoluta, inclusive]. Essa é sustentada pela arrogância, pelo medo, pela teimosia, pelo egoísmo, pelo interesse e tem suas raízes na crença, no misticismo, nas superstições, nutrida por dogmas e rituais que erguem verdadeiras e impenetráveis muralhas na mente humana. Só o tempo as suprime, contudo, não é fácil.

Ela ocorre quando o indivíduo é forçado, pelo medo, a adotar a crença como a maneira mais adequada de enxergar o mundo ao redor e a desprezar o seu próprio senso racional. Logo, temeroso em reagir à sedução imposta pelas crendices, pelas superstições, ele se isola em seu microuniverso ilusório tentando fugir da realidade existente, travando uma luta desesperada consigo mesmo e com os outros na intenção de neutralizar qualquer conhecimento que não venha de seu meio.

Ao tempo em que se julga conhecedor de tudo, o dono irredutível da razão, tendo por base exclusiva primitivas apreciações dogmáticas da religião que professa. Neste estado, não admitindo o seu próprio desconhecimento de mundo, faz-se prisioneiro, bloqueia-se a novas informações, mesmo que sejam as mais óbvias.

Hipnotizado, acatando apenas ao que garante e quer seu condutor religioso, chega ao ponto de não mais assistir a um programa televisivo, ouvir o rádio, ler um livro, quando os mesmos não estão de acordo com o que pensa e/ou justifique o que entende como verdade. Antes, porém, faz seu prejulgamento excludente.

Não procura informações para se esclarecer, e sim para alicerçar mais e mais ao seu fanatismo. Sendo os assuntos escatológicos, conspiratórios e catastróficos, seus alentos preferidos para justificar suas mais absurdas crendices e com isso convencer outros a aceitá-las à força.

Para estes não existe Deus sem ser o que está cunhado em seus livros dito sagrados: sem os mitos, as lendas, as crendices, os dogmas. Isto é, sem o criacionismo e as carnificinas de outrora; sem a subserviência e a dependência incondicional a ele; sem um concorrente inimigo seu; sem as barganhas e milagres; sem condutores para agenciá-lo, impor, fiscalizar e exigir confissão, pela fé como prova de sua existência, principalmente por meio de ameaças explícitas.

E quem ousar pensar algo fora do contexto que impõem é "agraciado" com reações de animais ferozes a defender seus arquétipos do passado, imaginários e limitadores. Será estigmatizado, rechaçado, sofrerá as mais duras retaliações por todos os meios possíveis. E não importa qual seja o ramo da religião, o antagonismo basicamente é o mesmo.

Recluso em seu mundo, esse tipo de gente desanda no desejo de que todas as outras adotem o seu próprio modo de discernir e aceitar as coisas, incorrendo na fantasia de que, somente pensando e agindo como ela aponta, encontrarão o caminho correto, a salvação, "o deus verdadeiro" construído pelos dogmas em sua mente. Mergulha no fanatismo, no fundamentalismo, a causar contendas para justificar e impor a todos o que acredita. Tornam-se cega, completamente obnubiladas.

Pessoas assim são fáceis de serem identificadas, percebidas, encontradas por aí. Elas se acham iluminadas, sábias ao extremo, escolhidas por seu deus, a seu serviço, enquanto as outras que não comungam de suas crenças constituem-se como alguém a serviço do mal, perdidas, endemoniadas.

Nota: Neste livro a palavra deus é grafada tanto com "d" minúsculo, quanto com "D" maiúsculo. Aquele para enfatizar o mito, a ignorância humana, este para assinalar o que realmente poderíamos imaginar como sendo alguma Inteligência superior, ou, se preferir, Deus.

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