A DÚVIDA

30 1 2
                                    

Dou por mim a correr rua atrás de rua, não tenho o carro comigo, foi tolice, assim tenho de caminhar muito, sou mesmo tolo!! Passo junto a um individuo que vende cachorros com um pequeno atrelado e pergunto-lhe se sabe ou se já ouviu falar de um tal de Dr. Luttiba, o individuo olha-me dos pés à cabeça, reparo que está a ver a minha má apresentação, realmente...,realmente o tanas!! Tenho sem dúvidas uma enorme má apresentação, sei disso, mas mesmo assim imploro-lhe e pergunto novamente:

-Por favor, precisava imenso saber onde mora este senhor, pode ajudar-me?

Ao que ele me respondeu depois de alguns segundos a ler-me o físico achaboucado:

-Não rapaz, não te posso ajudar , não sei quem é!

Sigo em direcção a um género de quiosque onde aparentemente se vendem jornais, revistas e jogos de sorte, ao espreitar para o interior do pequeno espaço vejo uma senhora de meia idade, à qual pergunto se conhece o Dr. Luttiba!! «Não»- responde ela, agradeço e sigo mas dou de conta que ela me olha enquanto me afasto com um olhar arrogante, pergunto a um, pergunto a outro, e...não,...não,...já estou farto de ouvir isto de todos a quem pergunto. Como faço para descobri-lo, vejo um policia, era a pessoa talvez ideal, mas...e se já sabem alguma coisa do individuo que matei !! E se a rapariga deu a minha descrição!! Se têm alguma foto minha, sei lá de onde!! Não ,não vou ter com o policia, sigo em sentido contrario, vou por uma travessa e depois outra e ainda mais outra...Estou exausto, tenho de parar, sento-me num degrau de uma porta velha de uma dessas muitas travessas que cruzei, encosto-me ligeiramente à porta, ela abre-se acompanhada de um ruído  áspero de porta velha, ergo-me num instante, pois foi sem intenção e já tudo me assusta e já tenho medo de enfrentar algo que me possa tramar, a porta abre-se até meio, reparo que o espaço é escuro e abacinado, alguns raios de luz  dão para notar uma neblina de poeira a esvoaçar, até que a minha visão se adapte ao escuro é difícil perceber o interior do espaço, mas não me interessa, vou seguir, mas... viro-me e ... estou curioso ...quero ver o que há no escuro, não sei porque mas...tenho de ver, retorno o passo atrás e subo o degrau  vagarosamente , encosto uma mão à porta e empurro-a , a claridade do espaço não melhorou, o escuro permanece,   sente-se o frio do interior da casa,  juntamente com um odor a pouco limpo, mofo, ou velho, nem sei descrever o cheiro que sinto, dou dois passos para dentro, consigo agora ver melhor, é um género de Hall de entrada ou um átrio, vejo, um banco encostado de um lado e mais um do outro lado, este está numa zona mais escura, tem algo sobre ele, um saco ou trapos, nada mais há no espaço que tem uma porta rústica ao centro, de certo que será tudo abandonado, nada de mais para ver, mas...a curiosidade mandou-me espreitar, o tal embrulho enorme, de trapos ou saco ou lá o que é que está sob um dos bancos está a deixar-me curioso, aproximo-me para perceber o que é, o chão é construído em ripas de madeira, mas já velha, ao caminhar sob ele o som é impertinente, vou até junto ao banco, não consigo perceber o que está aqui nesta rodilha de trapos, de súbito «isto» mexe-se!! Uma mão enrugada surge por entre os trapos que se eleva até ao topo dos panos velhos e repuxa para trás e surge uma face, uma face de uma mulher velha, de má conservação, posso dizer até bastante velha e feia, dou um passo atrás,pois estou assustado,foi inesperado, ela limita-se a levantar lentamente o rosto e olha para mim, reparo que tem os olhos bastante claros, não sei se será cega, apesar de pouca claridade que há no espaço permite-me analisar tudo isso, arrepio-me, dou mais um passo atrás  para me encaminhar para a saída, a velha  juntamente a um gemido de tom grave levanta a mão e aponta para a porta, não a da saída, mas sim a única porta que está ao centro do espaço e diz:

-Vai meu filho, ele espera-te!! Vai !! 

Assustado, claro e sem compreender o que quer dizer pergunto de voz baixa e um pouco interrompida pelo receio de falar:

-ah,..q..quem?   Ao mesmo tempo que olho pouco confiante para a dita porta!

Ela simplesmente diz: -Luttiba!!

Não posso crer!!!!  Fiquei em silêncio e estatelado por escassos segundos,...será que é mesmo aqui?? segui até à porta em passos lentos, olho constantemente para a velha enquanto sigo os passos, ela limita-se a acenar a cabeça juntamente com uns dizeres graves e de som baixo:

  -Vai!! Vai!!

Abro a porta, faço pouca força, não sei o que está do lado de lá!! A luminosidade não altera muito, torno a olhar para trás para a velha que permanece na mesma posição no banco a olhar, suponho eu  para mim, pois não fiquei a saber ao certo se é cega ou não, enquanto entro para um corredor de tecto pouco alto em forma de túnel, a pouca luz que tem vem de longas e grossas velas que estão fixas na parede num tipo prateleiras velhas, um enorme cheiro a cera e algum fumo paira no ar, a respiração quase que se me torna impossível, lentamente  avanço os poucos metros que me separam de uma cortina de tecido claro, e onde me apercebo que está alguém, pois ouço um chocalhar e roçar, chocalhar e roçar novamente,... ao chegar à cortina afasto-a de uma das pontas cuidadosamente a espreitar com medo, sem duvida, tenho medo do que vou encontrar, pois já estou para tudo!! O cheiro a fumo, queimado é imenso,...é..., é incenso, é isso,...incenso, tenho alguma dificuldade em conseguir ver bem por entre o fumo que há na sala, apercebo-me novamente do som de chocalhar e roçar, tento localizar a origem do som, de súbito devido a um movimento feito por uma mão enorme uma fenda abre-se por entre o fumo e vejo um homem aparentemente enorme, pois está sentado de joelhos, mas ao que me parece é um homem de raça negra e aparentemente bem alto, sim, é mesmo de raça negra, envolvido num manto cinza, cabelo mal tratado com vestígios de rasta, consigo perceber que o som que ouvia de chocalhar e roçar são os búzios que ele lança para uma malga de metal larga e recolhe de seguida, avanço em direcção a ele e ele sem olhar para mim faz o gesto para que me sente em sua frente, assustado como estou, a tremer, tenho alguma dificuldade em me serpentear pelas enumeras velas, conchas com incenso e figuras de louça que tem espalhadas pela sala,devem ser santos de certo, junto a uma pequena almofada baixo-me cuidadosamente e coloco-me de joelhos. Tenho a garganta sequíssima, esfrego uma mão sob a outra, o meu olhar salta de ponto em ponto, tento ver e compreender tudo o que me rodeia, ver se nada me causa desconfiança,ou tudo ao mesmo tempo,tento ver se algo me faz perceber bem o local onde estou, de repente ele fala -Olá!!  , Bolas, assustou-me, não estava nada à espera que por entre aquele silêncio que só era interrompido pelo som do chocalhar e roças dos búzios ele falasse !! Credo!!

-Olá!!!  Respondo eu, sem ter bem a certeza se ele me ouviu, por faler quase sem força vocal.

-Sei porque estás aqui!!  Estava à tua espera!!

O meu olhar sobre ele foi fixo,...como assim sabe porque estou aqui, e...já me esperava?! Não tenho palavras para expressar, estou vidrado e pasmo, limito-me a responder após alguns segundos:

-como assim sabe? Sabe o que venho cá fazer e a razão??- O silêncio reina enquanto ele lança  os búzios uma vez seguida de outra que o faz recolher de um modo rápido, e olha para mim com um olhar que me faz sentir que me lê os olhos ou a mente, que compreende o olhar, de uma forma profunda e medonha, levando um charuto que fuma à boca , faz um arquejo longo e lança o fumo sob mim,que em parte até me faz algum incomodo, faz um pequeno franzir de olhos  e diz-me:

-Vou ser zeloso contigo meu caro compadecedor, o mesmo que eu tenho, tu também o tens...!!! Dúvidas...!!! Não será...??!!

Limito-me a acenar com a cabeça que sim, e esperar o que me diz ele,  e continuou a lançar  os búzios mais duas vezes e acrescentou  que eu estou confuso e que iria ter muitos problemas , ora isso sei eu... e diz para enfrentar os problemas, mas que em breve voltaria a encontra-lo para me encaminhar ao final....

...ao final??

o medo continua a envolver-me , só espero que nada de mal me vá surgir agora,...agora não,...agora não!!!





SOBREVIVÊNCIA NEGRAOnde histórias criam vida. Descubra agora