Meu coração estava tão rápido, que achei ter engolido um beija flor.
-Ilana, esse é Sebastian, seu tutor- a Drª Odete apresentou
-Tutor? -perguntei confusa
-ele passará maior parte do tempo com você- ela explicou
-Não quero- falei
-Não tem escolha, querida- ela sorriu para eleQuando a doutora se foi ele se sentou de frente para mim. Meu coração estava assustado sabendo o que ele havia visto, e tendo certeza que não havia contado para ninguém.
-Prazer...- ele disse por fim
-Não preciso de tutor, eu gosto de ficar sozinha- falei firme
-Eu vi- ele disse me assustando de novo. Ele pôs a mão sobre a mesa com a palma aberta- me dá.
-O que? -perguntei
-Me dá a lâmina- ele falou sério
-Não- defendi
-Vai mesmo querer fazer isso?
-Sei que está tão assustado quanto eu- desafiei
-Estou. Mas fiquei ainda mais assustado quando vi seu braço.
-Não precisa ver- falei
-Me dá a lâmina- ele falou firme de novo
-Não. . -repeti
-Vou tirar de você se for preciso- ele se levantou e eu também, pronta para correr.Ele veio na minha direção e me pôs contra a parede antes que eu pudesse tentar algo. Eu prendi minha respiração, seu rosto estava bem perto do meu.
Ele tinha cabelos cheios, olhos escuros lindos, uma expressão séria e madura, os lábios estavam em uma linha rígida, eu estava anestesiada em sua presença.
Ele se afastou me deixando confusa, tomou seu lugar na mesa e então abriu a mão revelando minha lâmina.
Merda!
Vasculhei meu bolso notando a falta dela.
-me devolve! -pedi e então todos no local me olharam.As enfermeiras ficaram de olho em mim, e então sorri me sentando de frente para ele. Seu rosto agora tinha um sorriso que me deixou irritada.
-Me dá. . .-.coloquei minha mão aberta na mesa
-Não- ele disse pondo a lâmina em seu bolso- ela é minha agora. Talvez faça minha sobrancelha.
-vou arrumar outra- cruzei meus braços
-E irei tomar todas de você- ele garantiu
- Qual o seu problema? Você não me conhece, não tem nada haver com minha vida- apertei a mesa
-Não, mas a partir de hoje terei. E vou começar dizendo que se cortar não irá melhorar nada- ele disse a coisa mais clichê do mundo
-Já ouvi isso antes- bufei
-Não importa, só quero que saiba que sei seus motivos, sei porque faz.
-Então me deixe continuar- abri minha mão na mesa de novo
-Não. . .- Ele colocou a mão dele na minha fazendo minha pressão cair- você não precisa fazer isso. Não precisa descontar sua raiva em você. Coisas erradas acontecem, mas a vida segue.
-Você não sabe nada sobre minha vida- falei engolindo o choro
-Ótimo! -ele sorriu- vamos nos conhecer.
-Não. . .
-Ilana é um nome bem bonito.
-É estranho.
-É bonito, quantos anos tem?
-Não é da sua conta.
-Parece ter 16 anos. Eu tenho 17 anos.17 anos?
Ergui minhas sobrancelhas.
-Sei, sei. Não parece- ele pôs os braços atrás da cabeça
-Parece mais velho- falei
-Puxa, obrigado.
-Não, eu não quis...quer dizer..você é bonito...quer dizer..não que eu tenha notado...eu só...Ele começou a rir e eu cruzei os braços calando minha boca.
-Obrigado, Ilana- ele disse piscando- então, por que você está aqui?
-Ninguém me suporta- falei sentindo aquele vazio
-Não acho que seja verdade.
-Mas é a verdade...
-Não, acho que você está aqui porque querem te ajudar- ele contestou
-Meus tios me chamam de fardo. Acha mesmo que se importam? -falei irritada
-Olha, as pessoas mostram de uma forma estranha que se importam- ele deu de ombros
-Meus pais morreram- falei querendo mostrar que tinha motivo para me cortar- eu os vi morrer. Meus amigos se afastaram de mim me chamando de louca, meu namorado me traiu porquê disse que não queria ficar com uma doente. Meus tios me trouxeram para cá porquê não queriam alguém como eu perto dos filhos dele. Eu sou sozinha. Não devia estar viva. As lâminas são o único jeito que achei de esquecer essa dor que me acompanha. Dói muito, eu não consigo aguentar sem me cortar. Tá bom pra você?Ele me olhava sério, e então se aproximou de mim cruzando as mãos encima da mesa.
-Eu entendo, mas acha que seus pais gostariam de te ver assim? Você ganhou a chance de viver. Você está aqui. Eles se foram mas olham por você o tempo todo, Ilana. Eles devem sofrer em te ver assim, e não poderem estarem aqui para te ajudar. Não te machuque por isso. Tem outro jeito de afagar essa dor.Meu coração saltava.
Minha mente projetou uma imagem dos meus pais sofrendo onde quer que estivessem por mim.
Não! Não!
-Eu não vou conseguir- coloquei meu rosto nas mãos- não sou forte. As lâminas me dão força para continuar. Essa dor no meu peito suga minhas forças, e a dor das lâminas me dá tempo para renovar.
-Use à mim- ele disse me fazendo olhar para seu rosto- renove suas forças em mim. Deixa eu ser seu amigo, eu posso te ajudar. Quando quiser se cortar venha comigo, não se corte. Resista e use à mim para encontrar uma força.
-E quando você for embora? -perguntei
-E quem disse que eu vou embora?- ele sorriuÀs 17h eu fui com Sebastian para o artesanato. Ele falava demais mas eu gostava, assim eu não tinha que falar muito.
Ganhamos nossa quantidade de argila e então começamos a fazer nossas obras. Sebastian se sentou ao meu lado e começou a fazer uma tigela.
Eu o observava enquanto suas mãos davam vida à tigela.
Comecei a fazer o meu e logo ele crescia entre meus dedos. A argila gelada, formando o vaso que eu imaginei.
Mordi o lábio inferior tentando não cometer erros.
-Olha, tá bonito- ele disse
-Seu também- falei sem perder minha concentraçãoEle riu e então meu vaso de desfez. Ah droga.
Cruzei meus braços desistindo disso.
-Não quero mais- falei
-por que?- ele me olhou
-Quebrou- bufeiOlhei para ele e então vi ele amassar sua tigela transformando ela em uma bola de argila de novo.
-Vamos começar de novo então- ele sorriu me incentivando
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Querida Lâmina. . .
Mystery / Thriller"Qualquer dor é melhor que a emocional" Consumida pela dor da perda, e da rejeição, Ilana Janlous tenta lutar contra o destino para acabar com sua vida, entrando assim em uma intensa depressão. Os tios já não aguentam vê-la assim, com medo da influê...