Capítulo 4- Ele

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A clínica era calma na recepção, neste momento um garoto estava sendo internado.
Estava sentado em um banco esperando a doutora Odete chegar, o relógio marcava 14h e eu estava nervoso demais.
O que eu poderia dizer? Como explicar que eu quero mesmo ajudar em algo na clínica?
Eu não pareço ter 17 anos, afinal sou muito maduro para minha idade, mas ainda sim, eles podem pensar algo de errado. Não é comum adolescentes se oferecerem para ajudar adolescentes com problemas.

-Sebastian Whech? -ouvi meu nome e saltei da cadeira dando de cara com a Doutora Odete
-sou eu...-respondi nervoso

Ela entrou na sala da administração e eu a segui. Seus olhos me avaliavam enquanto ela se acomodava em sua cadeira. Coloquei as mãos no bolso da calça e esperei.
-Então, você quer ser voluntário na minha clínica? -ela ergueu as sobrancelhas
-Hã, sim senhora- murmurei
-você sebe que a situação dos internados aqui não é algo para se brincar, nem fácil de lidar certo?- ela ergueu às sobrancelhas
-Sim, eu sei. É por isso que quero tentar ajudá-los. Acho que posso fazê-los ver a vida de outra forma- respondi
-Bom, precisamos mesmo de ajuda- ela anotou- tem adolescentes novos que tem problemas com mutilação.
-Entendo...- murmurei
-Vou levar você para conhecer o prédio. Os adolescentes estão em seus horários particulares, então estão por aí.

Segui a Drª Odete enquanto ela me mostrava os cómodos. Havia biblioteca, sala de vídeo, refeitório, e entre outros. Muitos internados estavam olhando para a rua através da janela gradeada, outros apenas na biblioteca lendo, e alguns andando por aí.
-Aqui são os quartos- Drª Odete disse quando entramos no quinto andar.
-Todos tem seus quartos? -perguntei
-Sim, mas só podem entrar neles na hora de dormir. Isso impede que os internados se tranquem e fiquem solitários. Nosso objetivo e fazê-los se comunicar- ela explicou
-Entendi, temos que fazê-los criar gosto pela vida- disse e ela assentiu

Voltamos para os andares de atividades e a Drª me levou para o jardim. Lá fora ficavam outras atividades como: ténis de mesa, dama, e xadrez. Algumas garotas apenas conversam, outros jogavam as atividades que tinham.
-Alguns estão se animando mais -a Drª sorriu
-Já teve algum que se curou?- perguntei
-Sim, e hoje eles tem vidas melhores, viajam, tem família ou apenas vivem do jeito que sempre quiseram- ela disse orgulhosa

Caminhamos de volta para dentro, e a doutora ia na frente, eu olhava para os lados, sabendo que ficaria um bom tempo ali, olhei para um sala vazia, não havia entrado ali quando passamos, parei empurrando a porta para checar o cômodo e então meu corpo ficou rígido.
Há uma garota lá dentro. Ela está de costas para mim, usava um moletom cinza, e tinha cabelos longos.
-Hã, com licença- chamei vendo minha voz ecoar

Ela saltou arrumando sua blusa e colocando as mãos no bolso. Ela virou de lado colocando seus olhos assustados nos meus. Eu não sei o que houve, mas perdi a voz no momento.
Ela tinha olhos brilhantes que por um momento achei que estavam brilhando, os cabelos longos ,a pele branca, os lábios rosados, era pouco baixa. Não dava para acreditar que ela estava aqui dentro.
-Oi...-sussurrei como um idiota
-Oi...-ela sussurrou de volta
-O que está fazendo sozinha aqui?- perguntei

Ela engoliu em seco e vi ela apertando as mãos dentro do bolso.
-Nada..gosto de ficar sozinha- ela abaixou a cabeça

Me aproximei dela devagar vendo seus olhos atentos a mim, algo me dizia que ela estava fazendo algo errado, e numa clínica assim eu devia ajudar se estava mesmo disposto a ficar aqui. Ela tirou as mãos do bolso, e vi que não tinha nada nelas, mas isso não significava nada.
-Vamos?- chamei
-Pra onde? - ela perguntou
-Para um lugar com mais pessoas- falei

Ela piscou e então andou.
Agora.
Peguei ela pelo pulso o apertando.
-Aii- ela gemeu me olhando assustada.

Subi a manga de seu moletom revelando os cortes que ainda sangravam. Deus!
Olhei para ela perplexo sem saber o que dizer. Ela puxou seu braço e correu para fora. Fui atrás dela.
Ela era rápida, eu tentava não perdê-la de vista, mas não deu certo. Ela sumiu.
Droga.
Respirei fundo passando a cena várias vezes na minha cabeça. O sangue vivo no seu braço, minha parte racional queria contar para a médica o que eu vi, mas não acho que assim eu estaria ajudando ela
-Sebastian!- ouvi me chamarem

Virei recompondo minha expressão, então a Drª Odete sorriu para mim.
-parabéns, você foi aceito- ela disse- temos uma nova garota aqui que precisa de ajuda mesmo
-Eu achei que podia escolher com quem ficar- falei
-Bem, é que cada médico toma conta de pelo menos dez adolescentes. Mas como você é estagiário, achei que podia ficar com essa garota nova- ela pediu
-Claro, posso sim- falei meio decepcionado
-Vou tentar achar ela para apresentar você- a doutora disse
-O que eu tenho que fazer exatamente? -perguntei
-Passar os tempos particulares com ela, conversar, dar conselhos e o mais importante, cuidar para que ela não tente suicídio, ou mutilação- a doutora citou
-Entendi. Ser seu amigo- expliquei melhor e ela assentiu

Seguimos pela clínica atrás da garota, mas ninguém parecia ter visto ela. Eram quase 15:30 da tarde, e pelo que pude ver, tinha uma atividade às 16h, então ela teria que aparecer.
Fomos para o jardim mas todos já saíam de lá a caminho de suas atividades.
-ela deve estar no refeitório- A doutora optou
-Doutora!- uma enfermeira chegou- Ilana estava no armário de vassouras.
-Hã, por quê? -Odete perguntou
-Ela disse que queria ficar sozinha, mas já saiu e foi para a biblioteca- a enfermeira sorriu
-Ok. Vamos apresentar sua garota- A Drª piscou

A biblioteca já estava enchendo, a doutora foi na frente em direção a uma garota, e quando identifiquei meu coração saltou. Ela também me olhou assustada, e eu não sabia o que fazer.
-Sebastian essa é Ilana. Sua paciente- a doutora disse me deixando satisfeito.

Querida Lâmina. . .Onde histórias criam vida. Descubra agora