Sétimo Dia

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Capítulo 2

Sétimo Dia

Desde criança não acreditava em tudo que falavam. Sejam lendas urbanas ou religiões, se estivesse fora de meu alcance eu desacreditava facilmente. Não posso dizer que sou uma pessoa completamente distante de algo como "espiritualidade", mas simplesmente que não consigo acreditar em coisas sobrenaturais. Mesmo que um ser superior, como um deus, exista de fato, não iria ele agir de formas completamente naturais visto que foi ele quem criou as leis da natureza?

          Quando cresci aprendi que isso se chamava "senso comum".

          Como pode ser chamado de senso "comum"? Um momento vivendo em sociedade e logo você pode ver os sinais de superstição em cada um de nós. Horóscopo, sorte, simpatias e amuletos. Isso é senso comum? O que há de tão comum nisso tudo?

          Não é porque amo a ficção que vou acreditar que a realidade é mais do que aparenta ser. Não confunda ficção com realidade. Na verdade, foi quando aceitei essa dura realidade que meu tédio começou a florescer. É tão semelhante à nossa deusa que um bom título para minha vida seria "A Melancolia de Isamu Fatou".

          Entretanto, quando algo aparece na sua frente é muito difícil de não acreditar. Uma imagem vale mais que mil palavras.

          Se um dito vidente te parasse na rua e dissesse que você morreria em breve, muito provavelmente você iria chamá-lo de maluco e ignoraria as palavras dele como se fossem simples delírios jogado ao ar. Entretanto, se você mesmo tiver a visão de sua morte, não seria muito mais chocante e acreditável? É isso que significa "ver para crer".

          Não é como se eu já não tivesse sonhado com a minha morte. É comum ter medo do fim e consequentemente é comum ter esse medo implantado em nosso subconsciente. Acredito que é isso que causa a aparição de diversos sonhos ou alucinações mórbidas. Porém em nenhum desses sonhos conseguimos ver nossos corpos, ao menos, não detalhadamente. Isso é um pouco óbvio: Sonhos são retalhos de memórias e, portanto, não podemos sonhar nada que já não vimos durante nosso tempo acordados.

          Eu nunca tinha visto um corpo.

          Meu pai morreu em um acidente de trabalho, em uma obra de construção.

          Enquanto da cintura para cima ele estava em perfeito estado, a parte inferior de seu corpo estava em condições tristes até de se descrever. Obviamente não me mostraram nada disso, mas minha mãe teve a infelicidade de ver o estado do corpo no momento que precisou reconhecer o cadáver, o que lhe causou grande choque emocional. Eu tinha dez anos quando o acidente ocorreu.

          No enterro eles perguntaram se eu desejava ver meu pai uma última vez. No momento que me perguntaram isso imaginei como estaria meu pai depois do acidente. Uma imagem grotesca veio a minha mente. Obviamente ele foi deixado no caixão de forma que só estivesse exposto da cintura pra cima, sem contar que ele foi todo preparado para estar exposto antes do enterro, mas como uma criança sem conhecimento da morte, a imaginei de forma assustadoramente perturbadora, pensando que o corpo de meu pai poderia ter se tornado algo indigno de se ver. Me senti enojado. Passei o enterro inteiro vomitando e, por mais nojo do que medo, decidi não ver o corpo de meu pai. A imaginação de uma criança é de fato muito potente, não é mesmo?

          Talvez a imagem abstrata que ficou em minha mente tenha sido pesada demais para meu psicológico, causando um trauma.

          Mas vi o meu próprio corpo nessa condição deplorável.

A Borboleta na TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora