— Alice... Alice... Alice... — Sua mãozinha batia cuidadosamente na porta branca, sussurrando o nome da irmã mais velha. Estremeceu ao recordar que, a última vez que chamou pelo nome da irmã, fora naquele pesadelo horrível.
Era uma manhã ensolarada de sábado, exatamente às seis horas da manhã. Dia de dormir até meio-dia e de descansar depois da exaustiva semana que normalmente se tinha com trabalho e deveres. Os planos nas manhãs de sábado eram simples: dormir. Somente dormir. E acordar quando o sol já estivesse tão alto que nem sombra mais fizesse no chão. A família Sizígia simplesmente não funcionava antes da hora do almoço nos sábados. Era quase uma lei.
Porém, naquele dia em especial, a lei estava prestes a ser quebrada. Lilith batia ousadamente na porta de Alice, mesmo que de forma quase inaudível. Nenhum som vinha de dentro, somente um ressonar confortável. A irmã tinha sono pesado, mas não queria bater tão forte, iria assustá-la. E, de assustada, já bastava ela.
Com os dedos trêmulos, encostou-se à maçaneta da porta e a virou em câmera lenta, sentindo a frieza do metal contra as mãos.
Abriu devagar, evitando ao máximo os rangidos que faziam as dobradiças. Na ponta dos pés cobertos por meias coloridas, entrou no quarto e fechou a porta com toda a cautela que conseguia ter. Era pequena e desajeitada, mas conseguia ser delicada quando precisava.
Olhou ao redor do quarto, sentindo o ar-condicionado lhe beijar o corpo graciosamente. Sua testa e suas mãos, que estavam completamente suadas, sentiram alívio ao entrar em um ambiente fresco, embora nada daquilo conseguisse acalmar a mente inquieta da menina, que dava voltas e voltas.
O quarto de Alice era bonito: tinha uma parede rosa claro e as outras, brancas. Logo de frente para a porta, ficava a cama de madeira branca, encostada na parede, embaixo da janela de cortinas leves que faziam a luz solar invadir o quarto timidamente. Era uma suíte, de modo que a porta para o banheiro ficava do lado direito do quarto, ao lado da escrivaninha do computador e de suas prateleiras abarrotadas de livros, esculturas de porcelana e porta-retratos com a família e amigos. Do lado esquerdo, ficava o armário, ocupando quase a parede inteira do quarto. Alice era frequentadora assídua de shoppings, principalmente em finais de estações, quando a palavra "liquidação" estava em vermelho vivo nas vitrines das lojas. Somente um armário tão grande quanto aquele para caber todos os seus sapatos, roupas e acessórios. Tinha um acervo de roupas impressionante, tanto que suas amigas sempre estavam pedindo roupas emprestadas.
Lilith sempre tentava entender aquilo, não fazia sentido em sua cabeça aquela fissura toda por roupas. Tá, certo, era apenas uma criança ainda, mas mesmo assim não conseguia compreender. Talvez fosse o seu signo de Câncer, quem sabe? Pelo que aprendera em Introdução à Astrologia, em sua escola, Cancerianas tendiam a ser vaidosas demais. É, talvez essa fosse a explicação certa. Talvez pudessem ter outros aspectos que influenciassem Alice a ser tão preocupada com a beleza, mas ainda estava em um nível bastante principiante nos estudos astrológicos, portanto não fazia ideia do que poderia ser.
De qualquer forma, Alice era vaidosa e bonita, e era isso que importava. Mas além de ser um rosto bonitinho, Alice era uma pessoa boa. Era a menina mais popular da escola, mas nem por isso se transformara em uma megera que desprezava as meninas menos populares e que gostavam de estudar. Muito pelo ao contrário, ela fazia questão em falar com as pessoas, ser educada e prestativa. Não era do tipo que discriminava ninguém, era a primeira que fazia os outros soltarem as pedras antes de jogarem nos que estavam sendo julgados.
Mas isso não a impedia de ter um humor ácido e uma língua tão ferina que poderia ser usada como arma poderosa.
Lilith observou a irmã enquanto dormia, enrolada no enorme cobertor rosa felpudo de corações. Na verdade, quase não conseguia enxergar Alice, estava parecendo um enroladinho, só com chumaços de cabelos tão escuros quanto os seus pesadelos saindo de dentro do cobertor. Lilith quase sorriu. Quase. Sua cabeça estava tão atordoada que nem o jeito engraçado em que sua irmã mais velha dormia conseguia diminuir sua angústia interna.
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Oposição - Série Stellium [DEGUSTAÇÃO]
FantasyEm uma dimensão chamada Constelação, são os supremos Deuses do Inferno que controlam e ditam as regras da sociedade, amedrontando os humanos e deixando-os dóceis perante seus poderes, nessa, e em todas as outras dimensões que existem pelo Universo...