Capítulo V

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Na segunda-feira de manhã, Lilith estava extremamente abatida e desanimada, não parecia nem de longe aquela mesma menininha que chegava à escola saltitante, com os bolsos da saia do uniforme socados de balas, chicletes e enfiando todos na boca.

Estava sentada no canto da sala, junto das mochilas coloridas de heróis e personagens de desenhos dos seus coleguinhas. Abraçava a sua bolsa rosa estampada com unicórnios, fadas, arco-íris e dosada de purpurina em algumas partes plastificadas. Como a professora havia percebido que ela estava caindo de sono, aproveitou para dar-lhe o direito de ficar isolada das outras crianças, para poder descansar e não participar junto das outras crianças "normais".

Não era ainda aula de verdade, pois ainda estavam na primeira semana depois das férias, então não havia problema em perder algumas aulas de ensinamentos básicos da Astrologia. Ela poderia pegar isso depois, coisa que, no momento, não conseguiria fazer de jeito nenhum. Seus olhos estavam vermelhos e diminutos, sua íris azulada, sempre tão brilhante e vívida, estava fosca e irritada. Havia bolsas inchadas embaixo dos olhos, ressaltando as olheiras roxas, fazendo-a ter uma aparência de quem havia acabado de levar um soco, ou dois. Parecia não dormir há semanas, estava quase igual a um zumbi. Mentira para a professora, falando que estava com aquela aparência porque viajara com a família no final de semana e não teve tempo para descansar direito, tendo, assim, ficado com aquela aparência horrível. A professora, que agradecia internamente por não precisar ficar olhando para a cara de Lilith, acreditou nela e a deixou em dispensa naquela aula, o que a fez se sentir mais horrível ainda.

A verdade era que, desde que tivera aquele sonho de sexta para sábado, ela não conseguira mais dormir sem ter aquele maldito pesadelo. Todas as vezes que caía na inconsciência, era para o lado Dele que ela era transportada, era nas mãos de Ahriman que ela estava. Era para o Inferno que ela ia, sendo sua serva para sempre. E o sonho persistia, mesmo que ela acordasse trêmula, gritando e pedindo ajuda. Talvez aquele fosse o castigo que ela merecesse por ouvir a conversa dos outros, talvez fosse por aquele motivo que as crianças não podiam saber sobre os Deuses muito cedo. Ficavam facilmente impressionadas, como ela estava. Se não ouvisse atrás da porta, nada daquilo estaria acontecendo. Não estaria sendo visitada incessantemente pelo Deus mais assustador de todos. Tinha medo de que, como ela já sabia Dele, Ele resolvesse marcá-la para tê-la quando fosse mais velha, pois era com ela adolescente que Ahriman a capturava no sonho, não adiantava ficar preocupada agora.

Engoliu em seco, escondendo o rostinho apavorado na mochila. Estava dormindo na cama de Alice desde então, o que acarretava em acordá-la e deixá-la em pânico também. Alice sempre acordava junto, sem ao menos resmungar, e a colocava no colo, cantando para ela, até que dormisse. Lilith acordava alguns minutos depois, pelo mesmo motivo e com o mesmo estado emocional, mas a mais velha parecia não se abalar. Efetuava o mesmo processo de antes, como se fosse a primeira vez e como se não estivesse nem um pouco cansada.

Isso é justo? Perturbar uma pessoa que não tem nada a ver com isso? Tomara que Alice esteja conseguindo assistir à aula, não a deixei dormir a noite inteira... Droga, não posso abusar dela todas as noites, ela não tem culpa!, pensou Lilith, se encolhendo mais junto da mochila. Evitava até fechar os olhos, sabia que aqueles grenás estavam esperando-a assim que a escuridão se alastrasse em seu campo de visão.

Mas não consigo ficar sozinha, não consigo encará-lo estando só... Pensando bem... Ele só aparece quando eu estou sozinha. Por mais que Alice fique comigo, ela não pode entrar nos meus sonhos e me proteger, muito pelo contrário. Estremeceu, lembrando-se da imagem de Alice entregando-a facilmente para Ahriman. Não, ela não faria isso. Não faria, não faria, não fari...

Oposição - Série Stellium [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora