Part 1

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   - Mãe, eu quero sair da faculdade.

  - Tudo bem, querida. 

O sorriso fraco da minhã mãe junto as palavras de compreensão me tiraram de órbita por alguns segundos. Esperava um grito agudo, xingamentos, explanações sobre a situação econômica do país, sobre a necessidade de se orgulhar de sua profissão ou as lamúrias de que o tempo passa e os anos não voltam atrás a ponto de nos arrepender. Olhei desconfiada para minha mãe por alguns segundos, mas ela continuou onde estava sem esboçar reação alguma de que não havia sinceridade na aceitação. Voltei os olhos pra televisão a fim de ver se estava passando algo suficientemente importante a ponto de ela ter ouvido mas não prestado atenção no que eu disse, mas nada de diferente acontecia. Eu então continuei falando testando a Senhora Wilma.

  - Mãe, eu preciso então ir na faculdade para pedir o trancamento da matrícula e talvez eu precise de alguns documentos. - Falei esperando agora ganhar a atenção de minha mãe, mas ela não moveu um músculo sequer, o que me fez assustar ao ouvir sua voz em seguida.

  - Marina, seu passaporte está em dia, não é minha querida? Lembre-se que você ficou de visitar o seu pai no seu aniversário desse ano. - Os olhos continuavam presos na televisão mas um sorriso se desenhou em seus lábios.

  - Mas mãe, eles comem cachorro. E eu não quero ver o papai com uma nova família estranha, falando uma língua estranha, vestindo coisas estranhas

  - Minha querida, você já passou da idade de fazer birrinha e fazem 12 anos que você não vê o seu pai. Dessa vez você vai mesmo até o seu pai, e vai amanhã se tudo der certo.

  Meus olhos se arregalaram e as palavras de protesto morreram na minha garganta.  * Amanhã? Como diabos amanhã? Uma viagem internacional se resolve estalando os dedos? Ela realmente falou o que eu entendi?*

  - Ohh mãe? - Mas quando terminei de falar percebi o quanto era inútil, ela já havia desligado a televisão e enquanto meus miolos queimavam tentando entender como diabos eu iria mudar de continente de um dia para o outro ela aproveitou para escapar sorrateiramente. Me virei buscando minha mãe e subi as escadas pulando de dois em dois degraus assustada e ansiosa com as informações. 

  - Mãe? - Chamei novamente agora olhando para a porta fechada, e trancada de seu quarto. Me postei ali e resolvi esperar até que ela aparecesse do lado de fora, uma hora ela teria que comer ou ir a banheiro, não poderia me ignorar dessa maneira.

  Não precisei esperar muito e logo a porta se abriu e minha mãe saiu carregada de malas passando por mim em seguida em direção ao meu quarto. Meus olhos acompanhavam os movimentos dela como se observando de uma outra dimensão enquanto ela abria o meu armário e jogava minhas roupas sobre a cama, TODAS, para depois pacientemente ir dobrando e guardando nas malas abertas no chão. 

  Aquilo não podia estar acontecendo. Olhei para as malas arrumadas e fechadas junto a porta do meu quarto além das minhas frasqueiras e tudo mais que ela considerou importante e justificável embalar. Minha mãe estava ao telefone trancada na cozinha já faziam alguns minutos e pelo tempo de conversa só poderia estar falando com o meu pai. Meu pai se separou da minha mãe quando eu ainda tinha 5 anos, durante um ano nós nos víamos e brincávamos juntos mas então papai se mudou para outro Continente. Ele foi para Ásia trabalhar com o tio em algo parecido com uma gravadora ou alguma coisa assim, não sei ao certo. E desde então não nos vimos mais, meu pai se casou com uma mulher da terra de lá e tem uma filha adorável, segundo ele, de dez anos e todo o nosso contato até então é feito via skype e celular, fim da história.

   Minha mãe tinha um sorriso satisfeito quando me entregou um papel junto a meu passaporte

  - Tudo pronto, esse aí é o número que você vai usar para retirar a passagem no seu nome para a Coréia. - Minha mãe sorria e falava mais um monte de coisas que eu vagamente entendia, como que lá se pode falar inglês pra começar mas que era bom aprender a língua já que eu estava me mudando para a casa do meu pai. 

  A medida que as palavras da minha mãe iam fazendo sentido na minha cabeça zonza, eu mais horrorizada ficava. Eu estava sendo expulsa de casa e enviada de presente com um lacinho cor de rosa na cabeça para a casa do meu pai, caindo de para-quedas na nova família dele. Que lindo presente de pré aniversário. Catei meu celular e liguei para minha melhor amiga.

  Fernanda: Alô

 Marina: Amiga? - Não sei se realmente temos uma ligação de outras vidas ou se ela perceber na minha voz mas logo ela parecia preocupada ao me perguntar se estava bem.

Fernanda: Mari, o que houve? Ta tudo bem?

Marina: Eu fui expulsa, estou sendo extraditada - Falei com a voz manhosa

Fernanda: O QUE?

   A reação de Fernanda me fez sorrir e enquanto contava tudo pra ela em meios de " Ahh" "nossa" "como? " "e agora?" pois essa pergunta foi a que deteve a enxurrada de informações que eu despejava na minha amiga. * E agora?*  Suspirei

Marina: E agora.... eu liguei pra me despedir, estou partindo amanhã. - Minha voz foi perdendo a força a medida que ia falando e pensando em todos os meus amigos que deixaria para trás e todos os momentos que não teria mais com eles, lágrimas nublaram minha visão e apertei os olhos com força evitando histeria. Depois de chorar junto a minha amiga e fazermos juras de lealdade, amizade eterna e que não perderíamos o contato, eu desliguei o telefone e subi as escadas me trancando no meu quarto, me recusando a jantar ou a sair de lá. Não queria mais olhar pra minha mãe, ela estava acabando com a minha vida, e uma vida tão jovem e promissora.


   Ouvi ao longe o toque soar e logo uma voz grave repetiu em inglês umas frases pronunciadas em um idioma estranho anteriormente e avisava que havíamos pousado e que logo estaríamos desembarcando o que terminou por me despertar de vez. Estava sonhando com o dia anterior e parecia tão vívido que senti toda a angustia novamente, mas agora era hora de encarar a realidade. Eu tinha acabado de pousar em Seoul, Aeroporto  Incheon na Coréia do Sul... 


O RecomeçoWhere stories live. Discover now