Não julgue a dor do outro!

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  Tudo criado neste mundo tem o propósito de amenizar as necessidades do corpo, estas, por sua vez, nunca irão acabar. A plena felicidade na condição física só existe por meio do pensamento. A philia está diretamente atrelada ao desgosto da ausência, só se entende algo como prazeroso e desejável por que conhecemos a sensação de ausência. Quando estamos imersos em uma determinada sensação passamos a ter dependência daquele contexto; o alcoólatra não sente prazer em beber, mas sim, uma sensação de profundo acorrentamento a algo que já se apodera se sua capacidade de julgamento. Logo, a felicidade, por ser um estado de espirito atrelado a um momento curto de tempo passa a não existir. Além disso, tal estado de existir é bem mais delicado e, com isso, as dores da alma duram bem mais que as mazelas do corpo. A fome é saciada pelo alimento - não existe meio termo, ela acaba assim que comemos, deixando bem claro que as necessidades do corpo são facilmente resolvidas com atitudes já conhecidas e mapeadas. Contudo, mesmo saciados, a alma permanece sofrendo pelas atitudes do corpo. O ponto em que quero chegar é que existem pessoas que acreditam que a saudade pode ser saciada por breves encontros, ou até mesmo por ligações – os males da ausência física nunca poderão ser saciados por artifícios não físicos. Tu não tens a capacidade para entender o quanto alguém gosta de ti, nem mesmo o quanto tua palavra é capaz de ferir, machucar e influenciar a paz de espírito de alguém. Veja o seguinte caso: Um garoto caminhava ao lado de um sábio senhor, por um caminho da cidade onde os excluídos do sistema se abrigavam da vergonha de existir.

- Olha como esses mendigos são ridículos! Deviam levantar e procurar emprego – o garoto se enfurecia sempre que via um indigente a mendigar, ou uma pessoa em profunda tristeza por qualquer motivo que fosse. – Não vou sustentar vagabundos que não conseguem nem arrumar emprego. – o sábio ouvia tudo aquilo e em seu íntimo produzia a mais alta filosofia. Ele deixava o garoto completar o raciocínio. - O senhor não acha que eles são uma vergonha para a sociedade? Enquanto todos trabalham eles estão aqui, sujos, fedidos, no ócio o dia todo, alguns até mesmo roubam pessoas trabalhadoras e honestas para comprarem drogas – e completou – são a escória da raça humana. Ele não se assustou com as palavras de ódio do garoto, afinal, é assim que a maioria das pessoas pensa quando vê um mendigo, um deprimido ou um arruinado emocionalmente – um peso que a humanidade tem de carregar, algo que impede a evolução do mundo. Gente doente, gente incapaz, pessoas mutiladas, almas e corpos atormentados por doenças. De certa forma, quando desconsideramos a diferença do outro, evocamos o nazismo – acreditamos sermos livres da realidade em que o outro vive, perfeitos a um determinado ponto que julgar o outro se torna inevitável. O sábio agiu com agiu com a profundidade que achou necessária. De seu bolso tirou um canivete, o garoto não entendeu o por quê. Ao passar a lâmina sobre a palma da mão ele se corta, grita e mostra o sangue ao garoto que permanece em estado de choque, parado a sua frente.

- Meu deus, o senhor está louco? Por quê fez isso? Parecia que a idade já estava atacando o entendimento do velo Chico.

- Você consegue ver o machucado e o sangue? Sem entender a pergunta, mas acreditando na sabedoria de seu mestre ele responde com toda convicção.

- Sim senhor. Vejo tudo!

- Que bom, meu querido Arthur! Fico feliz que consiga ver meu machucado. Sabe como se trata esse ferimento?

- Claro! Nem preciso ser médico pra saber que é só lavar e por um curativo que o problema se resolve. Voltando a caminhar, Chico enrola um pano em sua mão e começa o discurso com sua sublime sabedoria:

- Veja que o machucado na minha mão tem forma, tamanho e agressividade bem definidos. Ambos sabemos como ele deve ser tratado e dos riscos de infecção. Contudo, tu sentiste a dor que senti quando me cortei?

- Não, certamente que não. Nunca eu poderia sentir a sua dor.

- Tu aprendes rápido, garoto. Nunca podemos sentir a dor do outro, no máximo podemos especular o que alguém sente pelos sintomas de tristeza e alegria que demonstra, mas nunca conseguiremos expressar fisicamente aquilo que atormenta o nosso intelecto. Eu gritei quando me cortei, mas somete eu posso entender a dor que senti. Tu só podes especular sobre a minha dor, tentar me consolar de alguma forma. Esses mendigos estão machucados por dentro. Não podemos ver o tamanho de seus ferimentos, lavar e por curativos não resolve seus problemas. Imagine que esse corte na minha mão me atormentará por dias; ele dói, ele diminui a mobilidade da minha mão e causa desconforto. Isso porque é apenas um pequeno corte na mão. Agora imagine um machucado na alma! A perda de um filho, a separação de um amor que deveria ser eterno, a briga de irmão – aquele que já morreu não gera expectativa de volta nos vivos, mas o que esta em nosso plano ainda meche profundamente com as emoções das pessoas. O único remédio para tratar machucados na alma é a compaixão, a conversa, o apoio, para que esses homens e mulheres que perderam a fé na humanidade percebam que cada um de nós pensa e age de forma diferente e nem todos irão os machucar como ocorreu no passado. Se não entende a dor do outro, nunca faça teorias sobre o quanto ela machuca.

O senhor do tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora