Elena conheceu seu monstro no início da noite do 22 de dezembro de 2003. Ela tinha apenas seis anos e o monstro... bom, o monstro tinha a idade que ele deveria ter, o que normalmente pode variar de um jovem monstro de três anos até um senhor monstro com mais de dez mil.
Quando eles se conheceram, na noite do jantar de gala do Clube de Aeromodelismo de seu pai, Elena estava enfadada daquela festa de gente chata, esnobe, que come pouco e ainda se acha gorda vestindo manequim trinta e quatro. Sua mãe estava sempre presente, ao lado de seu pai, sendo sempre perfeita, sempre sorridente, uma mulher digna, de cabelo sempre arrumado, colar de pérolas ou alguma joia cara, num vestido longo que custaria muito mais que o dobro do aluguel de um apartamento decente em um bairro legal do Rio de Janeiro.
Àquela altura, já cansada de ficar sentada, de procurar seus pais, de pedir atenção à sua mãe, de procurar crianças da sua idade para se divertir, de comer, de sentar novamente, de ouvir o quarteto de cordas tocando, de apreciar os lustres e a decoração de plantas e flores diferentes, Elena saiu sorrateira do salão e desceu as escadas do Lagoon, aproximando-se da margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, logo atrás do prédio onde estava acontecendo o jantar.
Ela recolheu algumas pedrinhas do chão e olhou-as em sua pequenina mão por um tempo, pensando nos seus seis anos de vida. Aqueles seis longos, incômodos e estranhos anos.
A primeira pedra foi lançada e caiu na lagoa, criando pequenas ondas circulares que rapidamente atingiram a margem onde Elena estava. E então a garota jogou a segunda pedra para outro lado e as ondas se aproximaram novamente da margem. A terceira pedra foi jogada no meio do caminho entre os dois alvos anteriores, mas o que veio junto às pequenas ondas foi uma movimentação brusca debaixo da água.
Elena se assustou e deixou o restante das pedras caírem de sua mão. A jovem curiosa deu um passo à frente e olhou questionadora para a água. Outro passo, mais um olhar. Outro passo e, novamente, a água se moveu bruscamente.
Sem pensar outra vez, Elena puxou outra pedra do chão e jogou na direção do movimento subaquático.
Das águas ergueu-se uma criatura verde. O pescoço longo e articulado saía de algum lugar abaixo de seus ombros, na altura do peitoral. Os braços eram longos e terminavam em uma mão de três dedos. Quando a criatura caminhou em direção a Elena e saiu da água, ela pôde ver suas pernas finas como gravetos que encimavam pés de, também, três dedos. À luz da lua, Elena viu o rosto de seu monstro pela primeira vez. Era um rosto de olhos cansados e resignados, quase no limite entre a calma e a falta de interesse. O monstro de Elena não tinha boca, mas tinha um pequeno orifício aonde seria o nariz e diminutos montes onde seriam as orelhas.
A criatura olhou Elena e a garota olhou de volta, sem medo, apenas desconfiada.
- Meu nome é Elena. Qual o seu nome?
O monstro de Elena era da mesma altura que a garota, o que deixavam seus olhos encarando uns aos outros.
Em resposta a Elena, o seu monstro pareceu sorrir com uma força que lhe parecia exaurir todas as suas energias. Não era uma felicidade genuína, Elena percebeu. Era algo quase como o sorriso de sua mãe.
- Você está com frio?
O seu monstro continuou olhando para ela, apenas encarando-a.
- Eu acho que não vai ter problema te levar para casa. Você tem onde ficar?
O seu monstro não respondeu, mas aproximou-se.
No momento em que o monstro parou à sua frente, Elena sabia que o próximo passo deveria ser dela e então esticou sua pequena mão para o seu monstro e esperou que ele a pegasse.
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Croniocas
Short StoryCrônicas da Cidade Maravilhosa, narradas por um observador com olhos capazes de captar toda a magia da vida corriqueira da sociedade carioca. Quantas coisas mágicas e fantásticas acontecem todos os dias debaixo de nossos narizes e nós nem nos damos...