Escreveu 'oi'.
Esperou, pensou e apagou.
Começar com 'oi' era sempre tão idiota.
Por que as pessoas ainda começam com 'oi'?, ele se perguntava.
'oi' não dá pra saber nada da pessoa. 'oi' é tão vazio quanto qualquer outra saudação vazia. Talvez numa conversa corriqueira, um 'oi' resolva, claro. Mas para começar um papo na internet, 'oi' é mais batido que qualquer uma dessas frases repetidas à exaustão que a gente já cansou de ouvir por aí.
Escreveu 'oi' de novo.
Apagou e escreveu 'eu sou o cara do bar, lembra?'.
Apagou.
Era óbvio que ele se lembrava. Era óbvio! A não ser que houvesse um caso de amnésia muito grande a ser relatado ali. Um caso raro digno dos anais da medicina. Digno de entrar nesses livros gigantescos que os estudantes de medicina carregam para cima e para baixo.
Mas era óbvio que ele se lembrava. A conversa tinha sido muito boa. Da hora em que chegaram e se sentaram na mesa nada aconchegante do bar, um de frente para o outro, até a hora em que foram convidados a sair porque o bar precisava fechar, a noite tinha sido mágica e magnética.
Um não conseguira tirar os olhos do outro, a não ser quando a bexiga estava estourando, depois de garrafas e garrafas da deliciosa cerveja importada. E mesmo assim, as horas entre os momentos pareciam instantes.
'ontem foi muito bom'
É, era isso que tinha que mandar. Sincero e direto ao ponto. Ele lembrava que no Réveillon tinha prometido ser mais sincero, não enrolar, não demorar. Os anos estavam passando e ele não estava ficando mais novo.
Ok, a mensagem está decidida.
Algum emoticon? Um '=)' ou talvez, quem sabe, um ';)'.
NÃO! Isso soa muito sexual... talvez?
Só um sorriso bastaria.
Isso. Uma confissão e um sorriso. Sincero, direto ao ponto e simpático! Muito importante ser simpático nesses dias conturbados.
Mas e se parecer muito bobão? Esse sorriso parece...
Não. Você vai mandar o sorriso, sim. Um sorriso, nada demais. Algo para dar um tom da pessoa alegre que você se mostrou nas horas que passaram juntos ontem. A pessoa sorridente.
Alguma exclamação? Talvez uma não soasse tão eufórico.
Ele digitou uma exclamação e rapidamente apagou, sentindo-se invadido e quase insultado por aquele ponto ereto no final do texto. A exclamação era demais. Estava decidido.
O pequeno smile no final da frase já era suficiente, ele decidiu.
Mas se eu mandar agora, vai parecer cedo demais?
Não vai parecer cedo se você se prometeu, no Réveillon, que não haveria mais "cedo ou tarde". Não faz diferença. Se ele gostou de você, esse vínculo vai ser proveitoso. Se não gostou, que diferença faz, no fim das contas, né?
Com o dedo trêmulo em cima do enter, pensou por uns instantes e apertou a tecla. Agora não tinha volta. A mensagem estava enviada.
A não ser que ele corresse para ativar o modo avião do celular. Ele tinha lido em algum desses blogs de tecnologia que ativar o modo avião assim que você manda a mensagem evita que ela seja enviada. Mas quantos segundos será que duravam? Será que ele tinha tempo ainda?
Não, se controla, cara! É só uma mensagem inofens---
'também achei =)'
SIM!
Issoissoissoissoissoisso!
Mando uma mensagem de volta agora ou espero?
Acho que não tem mal em mandar.
'seria loucura minha dizer que já quero repetir de novo?', outra mensagem pipocou na tela do celular.
Ele pulou de alegria.
Por dentro, claro. Ele estava no meio de uma cafeteria, esperando na fila para comprar seu café de nome italiano e engomado, de tamanho maior do que precisava, gourmetizado e caro.
'hahaha nem um pouco. também quero muito'
Ok, isso soa legal. Não parece desesperado.
Não está soando "quero casar com você agora. Já até pensei na faculdade de nossos filhos! A gente indo passar nossas bodas de prata no Havaí! Nossos filhos vão nos visitar todos os domingos", está?
Acho que não.
É, tá bom assim, eu acho.
- Qual seu pedido, senhor?
Ele pediu seu café de nome italiano e engomado, de tamanho maior do que precisava, gourmetizado e caro, e se dirigiu para uma das diversas cadeiras espalhadas pela loja, esperando o seu nome ser chamado com seu copo de café.
'tá livre sexta?'
Tô! Tô sim! Marca! Bora! Corre, marca, por favor! Pelamordideus, marca! Tô livre sim!
'nada planejado ainda'
Os dois tiques cinzas apareceram ao lado da mensagem. Seu coração acelerava a cada instante novo daquela conversa e ele tinha certeza que, com um gole de café, seria necessário ir direto para o hospital, realizar uma manobra de ressuscitação.
Então os tiques ficaram azuis.
No topo da janela de conversa, 'digitando...' e seu coração chegou aos ouvidos, martelando como numa rave.
Ele precisou que seu nome fosse chamado duas vezes para sair do estupor em que estava. Indagaram seu nome, como se conferindo que era ele mesmo, e entregaram o café declamando o longo nome cheio de palavras e termos, como se fosse poesia do século XV. Ele agradeceu e voltou à conversa.
'quero te mostrar um bar que eu curto muito. topa?'
CLARO QUE EU TOPO! TOPO SER SEU MARIDO, TAMBÉM! TOPO CASAR COM VOCÊ AQUI E AGORA!
'claro! =D'
E a resposta foi um emoticon de um sorriso de bochechas vermelhas e, aparentemente, redondas e fofinhas. O coração dele chegou ao cérebro.
'umas 8 tá bom pra você?'
'perfeito'
Ele já tinha certeza, em seu íntimo, que um pedido de casamento estava dobrando a esquina. A qualquer momento agora. Eles iam se casar no Castelo de Itaipava, como sempre sonhara, com uma carruagem, igual aos contos de fadas, e eles estariam lindos de fraque preto. Ele com detalhes azuis e o marido com detalhes verdes. Casamento era para ser brega!
Mais nenhuma mensagem veio.
É claro. Estava marcado, então não precisava continuar.
E então, aquela distância da saudade atingiu seu peito como uma dor fantasma. Por que ele queria tanto vê-lo desse jeito? Já estava tão dependente dele assim? Isso ia acabar mal, com certeza. Sempre acabava!
Ai não!
Quis correr de volta no tempo, mandar mensagens diferentes. Queria ter sido diferente. Sempre que ele gostava de alguém era assim: repentino e entusiasmado. O muro também vinha repentino contra sua cara.
Se pudesse voltar no tempo! Se pudesse voltar para ontem. Não! Tinha que ser antes ainda. Tinha que ser antes de conhece-lo e topar sair com ele. Mas foi só ontem que ele se apaixonou pelo cara.
Não!
Para com isso! Você se prometeu no Réveillon, lembra?
Isso. Não vou ficar com medo dos meus sentimentos mais. Se for, foi. Se não for...
Ai...
É, dói admitir. Mas se não for, a gente parte pro próximo 'oi'.

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Croniocas
Cerita PendekCrônicas da Cidade Maravilhosa, narradas por um observador com olhos capazes de captar toda a magia da vida corriqueira da sociedade carioca. Quantas coisas mágicas e fantásticas acontecem todos os dias debaixo de nossos narizes e nós nem nos damos...