A sala estava muito escura para os olhos de Violeta.
Quando ela tentou olhar em volta, só conseguiu ver o contorno de um homem alto, parado em frente à janela, iluminado pelo raio que caiu do céu. As nuvens estavam carregadas, despencando sobre a cidade do Rio de Janeiro.
Violeta arrepiou-se da cabeça aos pés, mas sua voz emudeceu. Ela não gritou, não chamou, apenas deu um passo rápido para trás, em direção à parede nas suas costas. Finalmente ela conseguira ficar morando tempo suficiente em algum lugar para conhecer a planta do apartamento mesmo no escuro.
Sua mão foi instintivamente no interruptor, mas não houve resposta. A energia tinha acabado na hora em que a tempestade começara.
Outro raio, outro clarão iluminando o contorno alto, outro trovão ressoando pelos ouvidos tão abertos quanto os olhos de Violeta.
- Achei!
A jovem deu um pulo quando sua amiga apareceu de volta na sala com uma lanterna.
- Ai, Rubi. – Ela levou a mão ao peito.
- Você esqueceu que eu tinha ido procurar isso? – Rubi sacudiu o utensílio, impaciente. – Você tá bem, Violeta?
A jovem arrancou a lanterna das mãos magras da amiga e apontou para o contorno perto da janela. Era só um cabideiro com um casaco pendurado.
Rubi riu alto.
- Isso é perfeito demais! Você tem medo do escuro, Vi?
Assim como Violeta jamais confessaria que perdera a virgindade no banco de trás de um Gol duas portas, também não confessaria seus medos a Rubi, ainda mais em uma posição tão sensível quanto agora.
- Vem aqui, amiga. – Rubi esticou os braços em volta de Violeta, levando-a para o sofá. – Tá tudo bem. Daqui a pouco a luz volta e a gente vai poder continuar vendo Netflix.
Se Rubi soubesse...
- Aquele cabideiro idiota sempre me assusta. Todo dia que eu volto do trabalho, eu dou um pulo quando abro a porta. Eu sempre digo que vou trocar aquilo de lugar, mas eu sempre esqueço.
- Quer fazer isso agora?
Violeta deu de ombros.
- Você não tem nada pra fazer agora, né? – Rubi continuou. – Toma. Pega a lanterna e vai lá. É bom que vai te ajudar a combater esse medo. – Ela sorriu docemente. – Vai! Eu tô aqui, prometo.
Violeta bufou e riu, pegando a lanterna na mão.
- Você sabe que não é isso, tá? – ela disse a Rubi, levantando do sofá.
Outro raio caiu e iluminou a sala do apartamento novamente. E outra vez o contorno alto apareceu. Agora, Violeta sabia que era só o cabideiro, mas seu coração disparou mesmo assim.
Um pé atrás do outro, Violeta foi em direção à janela, apontando a lanterna fixamente para o cabideiro. Era só um casaco vermelho, pendurado lá desde o inverno passado. Ela se repetia essa frase incansavelmente.
Violeta esticou a mão ao mesmo tempo em que a luz da lanterna falhou e piscou. Ela recuou a mão.
Outro raio, mais clarão. A lanterna morreu de vez.
- Droga... – Rubi gemeu do sofá. – Era a única que eu achei.
Com uma batidinha na lateral, a lanterna na mão de Violeta voltou a iluminar o cabideiro. Ela esticou a mão outra vez e levantou o cabideiro do chão, virando-se para o sofá.

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Croniocas
Historia CortaCrônicas da Cidade Maravilhosa, narradas por um observador com olhos capazes de captar toda a magia da vida corriqueira da sociedade carioca. Quantas coisas mágicas e fantásticas acontecem todos os dias debaixo de nossos narizes e nós nem nos damos...