Rómulo e Julia

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Havia na cidade do Rio de Janeiro, duas famílias de dignidade igual. Ambas tinham seu renome, seu prestígio e seus ídolos. Eram conhecidas do longínquo canto dos confins da Barra da Tijuca até as esquinas do Flamengo com o Centro.

Seu prestígio vinha do cultivo de obras de artes. Ambas as famílias amavam colecionar dos mais diversos pintores e expor em suas galerias, espalhadas em pontos estratégicos da Zona Sul da cidade e adjacências.

Eram o grande problema, seus ídolos: os Caprioles amavam Madonna, tanto Heitor quanto Luiz. Já na família dos Monteiros, o pai, Maurício, não fazia tanta questão de saber de divas pop, mas a mãe, Olivia, crescera fã ardorosa de Lady Gaga.

Tantos anos se passaram, desde que a amizade de Heitor Capriole e Olivia Monteiro se dividiu, depois de uma rixa escandalosa em pleno pátio da faculdade, iniciada por imaturidade frente à fatídica pergunta que jamais deve ser perguntada: "Quem é sua diva pop favorita?".

Bom, se me permitirem o tempo de lhes contar essa história, verão porque tal final se abateu aos filhos dessas grandes famílias.

Acontece que os Caprioles tinham uma linda filha, a mais bela entre todas as moças, cobiçada por muitos rapazes. Seu nome era Julia. Seus longos cabelos ruivos e sua pele alva e nem um tom distante da neve. Os olhos, duas esmeraldas brilhantes em seu rosto juvenil.

Numa certa noite, no baile debutante da jovem Julia Capriole, todos portando máscaras, sem convite ou modos, outro jovem invadiu, sem ser chamado. Era o impetuoso Rómulo Monteiro.

- Que dama é aquela que enriquece o braço daquele cavalheiro? – Rómulo perguntou a um dos garçons que o olhou de canto de olho, pensando se tratar de um maluco qualquer.

- Não faço ideia – ele respondeu, voltando a servir.

- Quanta beleza! Ela ensina a tocha a brilhar. E seus olhos! Joias preciosas que se encontrariam nas orelhas das mais altas damas da sociedade.

- Rómulo, por que você tá falando tão estranho? – indagou um de seus amigos, invadindo a festa junto a ele.

- Eu nunca soube até agora o que é beleza, Hermes!

- Ok... – ele replicou. – A gente vai pro bar. Você quer alguma coisa?

- Vou procura-la ao fim da dança, pois esta rude mão – e ele abanou a própria – anseia por tocá-la.

- Isso pode dar prisão, cara. Cuidado. Qualquer coisa, estamos no bar, ok?

Rómulo viu enquanto a jovem valsava, hipnotizante, em frente aos seus olhos. Aproximou-se dela, contendo seus impulsos, mas já conseguia sentir seu perfume pairando no ar. Precisava vê-la mais próximo, tê-la mais perto.

Ao fim da música, Julia distanciou-se de seu par, esgueirando pela multidão, ao que Rómulo estendeu o braço e tocou-lhe o seu.

Ela virou-se sutilmente, suas vestes flutuando pelo ar enquanto o fazia.

- Se minha mão a profana, perdoa-me, jovem senhorita. Meus lábios demonstrarão, de sobra, reverência

- Ofendes tua mão, jovem senhor, que se mostrou devota e reverente.

- Só os santos podem limpar os pecadores de seus pecados – ele disse, referindo-se a ela. – Não tem os santos bocas?

- Os tem apenas para orações – ela respondeu, constrangida.

- Então deixe a tua mostrar o caminho correto ao meu coração.

E então a beijou suave e delicadamente.

Ambos se olharam profundamente e a faísca da paixão ardeu em seus olhos.

Rómulo foi ter com seus amigos, enquanto Julia aproximou-se das suas:

- Quem, porventura, são aqueles? Sabeis?

- Você tá falando estranho – destacou uma das jovens. – Que garotos?

- Próximos aonde se bebe.

- Eu tenho certeza que vi eles na escola – disse outra.

- O mais alto, que tava com você até agora, é o Rómulo – respondeu a primeira.

- Rómulo Monteiro? – indagou Julia, assustada. – Oh, pelos céus! Como me arde o amor! Apaixonada vejo-me pelo inimigo!

- Você tá bem, Julia? – perguntou a segunda amiga.

Não demorou para que a festa ao fim chegasse. Julia distanciou-se para os jardins, esperando poder pedir às estrelas, à Lua, aos céus, para que atendessem seu único pedido:

- Por favor, que me deem um sinal! Se for para me apaixonar pelo filho dos inimigos de meus pais, que eu saiba agora.

Ela estava em uma varanda suspensa, olhando a beleza do céu noturno, quando, lá debaixo, soou um chiado, chamando-a para prestar-lhe atenção, quase como um incomodo constante.

- Rómulo! Ah! Por que és tu, Rómulo? Renega teus pais e abandona os gostos dele pelas suas divas.

- Por tais belezas, abandono-os por certo.

Ele começou a subir por uma coluna gramada, em direção à Julia.

- Quem és tu, encoberto pela noite?

- Meu nome me é odioso, por ser teu inimigo.

- Não ouvi de ti mais de cem palavras, mas já reconheço o timbre de tua voz. Não és Rómulo um dos Monteiros?

E então ele chegou à varanda e aproximou-se dela.

- Não, bela menina. Nem um nem outro, se isso te desagrada.

E beijaram-se.

A paixão de ambos cresceu durante os meses que se seguiram. Prometeram juras de amor eterno, encontravam-se escondidos, no recanto favorito de ambos: uma larga livraria, preferencialmente debaixo do setor de livros esotéricos.

Lá, tinham a proteção de um dos grandes amigos mais velhos de Rómulo: Lourenço, um grande conhecedor da literatura. Podiam ficar abrigados naquele santuário o quanto quisessem, sempre que quisessem.

Aconteceu de, um dia, a senhora Oliveira Monteiro aparecer no santuário. Ela, por hábito, já conhecia Lourenço e sabia que este era amigo de seu filho.

- Dona Olivia!

- Lourenço, meu jovem! Como você está? Você tem visto meu filho? Ele não para mais em casa nesses últimos meses e já perguntei a todos os seus amigos.

Rómulo já havia contado toda a história a seu amigo e ele estava a par da desavença das famílias.

Para salvar a pele de seu amigo, Lourenço mentiu. Era algo que detestava fazer, mas Rómulo e ele tinham anos de amizade e pensava que lhe deveria tal favor, assim como Rómulo não mediria esforços para ajuda-lo, tinha certeza disso.

- Foi por pouco, cara!

- Sou em eterno favor a contigo, caro amigo!

- Vocês falam muito estranho quando estão perto um do outro. Isso não é normal, cara.

E voltou ao trabalho.

A paixão de Julia foi diminuindo com o tempo e, certo dia, pediu a Rómulo que a encontrasse próximo à galeria de arte de seu pai, em Ipanema.

Quando a encontrou, Julia parecia mais pálida e quase morta, mas foi rápida e penetrante, como uma adaga.

- Acho que não devemos nos ver mais.

Incrédulo nas palavras desta, mas já suspeitando do que aconteceria, Rómulo sentou-se num banco próximo e logo deitou-se.

Ela aproximou-se e perguntou:

- Está vivo?

Ele não respondeu, ao que Julia pegou suas palavras de adaga e saiu.

Para Rómulo, ela estava morta em seu pensamento, assim como o seu coração também já havia morrido com suas palavras.

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