Lobo na Pele de Cordeiro

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Gusmão caiu com o impacto causado pelo tiro que atingiu seu ombro esquerdo. O tiro de Breno matou o criminoso, mas agora a preocupação era outra, Gusmão estava no chão, sem movimentos.
Wellington já estava no furgão, pronto para fuga, mas quando viu Gusmão caído, ele engatou a marcha à ré e acelerou em direção ao depósito. Parou o furgão a poucos metros de Gusmão. Breno estava ajoelhado ao lado de Gusmão verificando os sinais vitais.
- Ele está vivo. - Breno disse diante da pálida expressão de Wellington. - Me ajuda a colocá-lo no furgão.
Wellington se apressou e abriu a porta traseira do furgão. Mas deu de cara com dois grandes embrulhos e temeu perguntar, mas era inevitável:
- Isso são corpos?
- Ah, sim, nós temos que deixá-los aqui. - Breno disse. - Mas vamos colocar o Gusmão aí dentro primeiro.
Eles colocaram Gusmão dentro do furgão e puxaram os corpos para fora, desembrulharam os corpos, ou melhor, Breno desembrulhou, Wellington não conseguiu e voltou para a cabine do carro pronto para dirigir até o lugar mais distante possível daquele depósito. Breno posicionou os corpos de forma a parecer que eles tinham sido mortos com a explosão e foram deslocados, pelo impacto, para longe do fogo.
Breno não queria que os corpos se queimassem, de novo, pois já estavam carbonizados. Fazia parte do plano, quando os corpos fossem levados para o IML, que eles voltassem para o lugar onde estavam, o banco de corpos registrados como indigentes.
- Os documentos, celular, distintivo, algemas e a arma, Wellington. - Pediu Breno.
Wellington foi relutante em entregar o distintivo, mas Breno convenceu-o, sem os equipamentos a polícia poderia desconfiar.
Breno entrou no furgão e sentou se ao lado de Gusmão, que ainda estava desacordado. Wellington acelerou rumo ao interior do Rio, dirigindo em velocidade nas várias estradinhas de terra que ali existem.
- O tiro atingiu algum órgão? - Wellington perguntou vendo as mãos de Breno encharcadas com o sangue de Gusmão.
- Não. O tiro acertou o ombro dele. - Breno disse procurando retirar a bala cravejada no ombro de Gusmão. - Perdeu grande quantidade de sangue, mas vai ficar bem.
- Ficar bem... - Disse Gusmão se retorcendo de dor.
- Acordou... Aguenta aí, vou tirar essa bala. - Disse Breno.
- Mas pega leve. - Disse Gusmão resistindo à dor terrível causada pela ponta da faca de caça que Breno usava para retirar a bala.
Wellington ficou aliviado quando percebeu que Gusmão havia acordado.
- Como é estarmos mortos? - Gusmão perguntou, de modo sarcástico, a Wellington.
- Chega de mortes por hoje. - Breno respondeu diante do silêncio de Wellington. - Poupe forças, não queremos que você morra.
- Aliás, esse colete não era resistente a munição pesada? - Gusmão perguntou.
- Justamente por isso que você está bem o suficiente para reclamar. - Disse Breno. - Se não fosse esse colete você estaria com seus ossos do ombro em migalhas. - Breno colocou, sobre sua própria mão, o projétil de fuzil que acabara de retirar.
A estradinha de terra era longa e demorou certo tempo até que Wellington precisasse perguntar por qual caminho seguir. Parou diante de um cruzamento.
- Por onde eu sigo? - Wellington perguntou com a voz um pouco trêmula. - À direita. - Breno respondeu olhando pela janela para confirmar o caminho.
Wellington estava aflito, sua cabeça parecia palpitar como o seu coração, em um ritmo acelerado. Ele nem ao menos conseguiu responder à ironia de Gusmão. Ele teve um enorme susto ao ver Gusmão caído no chão daquele depósito, seu colega e amigo, não imaginava perdê-lo.
- Está melhor Gusmão? - Wellington perguntou.
- Imaginava que a morte causasse mais dor. - Gusmão disse.
Wellington gostou do sarcasmo de Gusmão, isso provava que ele estava bem. Breno não resistiu à piada e gargalhou fazendo coro à Gusmão.
A viagem estava chegando ao fim, como Breno anunciou. Passaram por lugares onde as estradas eram corredores formados por árvores grandes e vegetação abundante.
Eles estavam ajudando Gusmão a sair do furgão quando o celular de Breno tocou.
- Alô. - Breno olhou para Gusmão e Wellington que se silenciaram automaticamente. - Doutor Henrique. Como vai? Como? O que aconteceu doutor? - Breno fingiu estar surpreso. - Meu Deus. Não consigo acreditar. - Breno fez um sinal de positivo para Gusmão e Wellington. - Chego aí o mais rápido possível doutor.
Depois de terminar a ligação, eles entraram na casa à qual Breno disse ser apenas um casebre usado nas suas férias. E realmente era um casebre, pequeno e construído em madeira. A surpresa ocorreu quando eles adentraram e se viram em um lugar bem iluminado, com móveis arquitetados e diversos aparelhos eletrônicos.
- Espera. Eu não vi rede de eletricidade lá fora. - Wellington falou.
- Uso um sistema de capitação solar. - Disse Breno fechando a porta. - Ele fica em um campo a 50 metros daqui. A rede é subterrânea.
- Apenas um casebre... - Gusmão disse.
- Vamos ver o que os noticiários estão informando sobre vocês. - Disse Breno pegando um controle e ligando o televisor.
- Sobre nossa morte, você quer dizer. - Disse Wellington.
Os noticiários constatavam a morte do inspetor Gusmão e do detetive Wellington. E ainda questionavam os motivos de um segundo ataque ao departamento em menos de quarenta e oito horas.
Breno se levantou e foi até a minúscula cozinha.
- Bem, temos que descobrir quem nos matou. - Disse Gusmão analisando a bala que a pouco estava transfixada em seu ombro.
- Não temos muitas informações. - Disse Wellington pensativo.
- Os únicos que querem nos matar são aqueles bandidos do Treta e do Red Eye. - Gusmão respondeu.
- O Treta não é do tipo que tem infiltrados. - Wellington disse com uma expressão sugestiva.
- Só pode ser o pessoal do Red Eye então. - Gusmão franziu o cenho.
- E eles estão infiltrados no departamento. - Wellington disse com um tom de voz nervoso. - O pior tipo de bandido.
- Lobos na pele de cordeiro. - Gusmão disse.
- Falta descobrir quem é esse lobo. - Breno disse, voltando com uma frigideira cheia de ovos e bacon.
Enquanto comiam, discutiram sobre os seus suspeitos. - Moreira, Henrique e Milena. - Gusmão disse.
- Você está desconfiando do seu pai? - Breno perguntou a Gusmão.
- Como eu disse ao Wellington. Todos são suspeitos até que se prove o contrário. - Gusmão respondeu com seu típico olhar gelado.
- Eu nunca gostei da delegada Milena. - Wellington disse a fim de interromper aquele assunto. - Não acredito que o delegado Moreira seria capaz disso.
- Não duvide de nada meu caro. - Gusmão disse em um tom ameaçador.
Eles conversaram durante um bom tempo, até o dia se sucumbir à escuridão da noite.
- Tenho que voltar para lá. - Breno se levantou e pegou as chaves do furgão. - Tenho que convencer o doutor Henrique e sua família, Wellington, a não abrir os caixões.
- O que você usará para simular o peso? - Gusmão perguntou.
- Vou ver o que posso fazer. - Breno respondeu. - Vocês fiquem a vontade, voltarei amanhã de manhã.
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O Chefe Supremo sabia que Alexandre havia se escondido na casinha em Bangu. Não demorou para que fosse atrás dele para dar novas ordens.
Já era noite quando ele estacionou o carro, que ele mesmo dirigia, em frente àquela casinha. Wilson prontamente cumprimentou seu chefe e informou que Alexandre estava na casa e que ele já estava de saída. Wilson só permanecia em Bangu no período diurno, não tinha tempo à noite. Ele coordenava o transporte de drogas para as regiões dominadas pelo Red Eye.
- Wilson? É você? - Alexandre grunhiu enquanto a porta da casa se abria.
- Não. Sou eu, seu chefe. - E a voz ecoou pela casa causando arrepios assustadores em Alexandre.
- O que quer? - Alexandre disse raivoso.
- Não deveria tratar seu superior assim. - Ele disse vendo Alexandre sentado em um canto escuro da sala.
- Perdoe-me. - Alexandre levantou-se rapidamente com um salto.
Alguma coisa estava errada, Alexandre, no começo da conversa, era agressivo e agora se desculpava. Havia uma grande contradição entre os atos dele naquele momento.
- Ainda não conseguimos achar o Beto. - Ele disse em tom de cobrança.
- Já fiz tudo que pude. - Alexandre disse entreolhando o seu chefe. - Os homens que mandei falharam.
- Não me interessa! - Ele repreendeu Alexandre.
- A equipe está empenhada na caça daquele rato. - Ele abriu um sorriso. - Agora não precisamos mais nos preocupar com aqueles policiais mequetrefes.
- O que aconteceu? - Alexandre percebeu que havia algo que ele não sabia sobre o dia que se passou.
- Enfim, os matamos. - Ele suspirou de satisfação.
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Mesmo sendo noite, Beto desejava a praia de Copacabana diante do calor que fazia dentro daquele quarto. Eram cerca de 22h00min quando Laura chegou com o jantar.
- Beto. - Laura chamou com voz de sono. - Ainda tá acordado?
- Tô morena. - Beto respondeu pegando carinhosamente na mão de Laura.
- Aqui tá sua janta. - Ela disse. - Sei que é tarde, mas não podia vim antes que todos tivessem dormindo.
- Sem problema. - Beto respondeu.
- Tenho que voltar. - Ela disse se desvencilhando do abraço de Beto. - Não podem saber que você tá aqui.
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Já era madrugada quando Wellington conseguiu dormir, Gusmão adormeceu ainda ao cair da noite, ele tomou um remédio para a dor que o causou sono.
A manhã do dia seguinte estava radiante e o sol parecia sorrir para todo o Rio de Janeiro. Porém, Wellington acordou lembrando-se de como estariam Eliza e Priscila e isso talvez doesse mais que o ferimento de Gusmão.
Gusmão acordou com muita dor, entretanto, com uma expressão de tranquilidade. Não se importava em estar fingindo-se de morto, para ele era apenas uma peça de teatro. Peça que só acabaria com a prisão dos infiltrados na polícia.
- O que vamos fazer hoje? - Wellington disse com a voz trêmula de tristeza.
- Agora nós vamos tomar café, esperar o Breno chegar com o carro que pedi a ele, e depois vamos ao nosso velório. - Disse com a mesma tranqüilidade com a qual acordara.
O silêncio de Wellington não era devido à surpresa, já haviam passado por surpresas muito maiores. Ele se silenciou porque gostou extremamente da ideia de ver sua esposa e sua filha.
Breno chegou cerca de oito da manhã, trazendo o carro que Gusmão pedira. Um utilitário preto de vidros extremamente escuros.
- Não há chance de alguém ver vocês aí dentro. - Breno disse quando Gusmão e Wellington entraram no carro.
- Fantasmas não são transparentes? - Gusmão brincou descendo do carro e fechando a porta.
- E o que aconteceu lá? - Wellington perguntou a Breno que ainda não havia terminado de sorrir da pergunta de Gusmão.
- Eu coloquei areia nos caixões. - Breno disse com naturalidade e isso fez Wellington sofrer arrepios.
- Mas e se eles abrirem? - Perguntou Wellington.
- Não vão. Eles aceitaram minha sugestão. - Breno respondeu com paciência. - Foram relutantes, mas ficaram traumatizados com o fato de terem sido carbonizados. - Completou.
- Você viu minha família? - Wellington sentiu seus músculos perderem força ao decorrer de sua pergunta.
- Sim. - Breno respondeu. - Seus pais e seu irmão já haviam chegado ao Rio.
- Calma Wellington. - Gusmão percebeu que Wellington estava demasiadamente preocupado.
- Irão enterrar vocês hoje à tarde. - Breno falou.
- Nós vamos para lá. - Gusmão disse e Breno assentiu.
- Ficarei aqui. - Breno falou. - Tenho que tratar de negócios.
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A tristeza invadia as famílias naquela manhã. Henrique estava desolado, no entanto, era a pessoa mais calma no momento. Ele tentava consolar a família de Wellington que não suportava a perda, Eliza era, sem sombra de dúvidas, a mais inconsolável de todos.
Eles estavam reunidos em uma capela à espera dos corpos. Henrique providenciou tudo, e ainda custeou o velório dos dois. A família de Wellington não queria aceitar a ajuda de Henrique, mas ele a convenceu, disse que Wellington e Gusmão eram como irmãos. Explicou ainda que só conheceu Wellington recentemente e nem ao menos teve tempo de conversar muito com ele, mas mesmo assim viu como ele era um pessoa de caráter.
- Dona Ana... - Dizia Henrique diante da expressão abatida da mãe de Wellington. - Eles estão em um lugar melhor agora.
- Verdade, meu filho. - Dona Ana respondeu com a voz fraca e rouca.
- Meus pêsames pelos seus filhos. - Moreira se aproximou deles. - Me sinto extremamente culpado por isso.
- Você não podia fazer nada Moreira. - Henrique disse, dando palmadinhas no ombro de Moreira.
- Meu filho idolatra, - Dona Ana começou a dizer a Moreira, mas parou repentinamente. - idolatrava o senhor. - Continuou.
- Não mais do que eu o idolatrava. - Moreira estendeu o a mão para dona Ana, revelando, na palma de sua mão, o distintivo de Wellington.
- Não posso aceitar. - Dona Ana disse e virou o rosto.
- Ele iria querer que seu símbolo como policial ficasse com a família. - Henrique disse com a frieza habitual.
- Isso deve ficar com Eliza. - Dona Ana disse enxugando as lagrimas com um lenço de renda.
- Vou entregá-lo a ela junto com os pertences encontrados com Wellington. - Moreira disse e se arrependeu logo que dona Ana começou a chorar novamente.
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- Falta muito para chegar? - Gusmão perguntou a Wellington.
- Trinta quilômetros, talvez quarenta. - Wellington respondeu rapidamente.
Uma hora depois estavam na Avenida Brasil em direção à cidade maravilhosa. Pegaram aquela rua de paralelepípedos que fica a cinquenta metros do cemitério e oferecia vista que precisavam. Ela ficava em um ponto alto e eles puderam ver claramente a entrada do cortejo dos corpos, ou melhor, dos caixões com areia.
Todos os policiais do DP que trabalhavam diretamente com Gusmão e Wellington estavam ali, prestando homenagens. Um padre fez as últimas orações e as bandeiras que estavam sobre os caixões foram retiradas e entregues à Eliza e a Henrique. Os caixões iam sendo baixados ao som de música fúnebre e Wellington já nem ao menos respirava com a tensão daquele momento.
Gusmão era gélido e insensível como uma pedra, mas naquele momento, ao ver sua mãe chorando, ele sentiu seu coração bater mais forte e emoções vieram a sua mente. Elas não foram fortes o suficiente para abalá-lo.
Eles avistaram Henrique, Moreira e Milena de pé ao lado dos túmulos, e Gusmão perguntou:
- Já tinha se imaginado assistindo seu próprio velório?
- Não. - Wellington suspirou. - Imaginava que estaria no céu observando-o, mas nunca assistindo.
Gusmão foi até o carro abriu o porta-luvas e pegou um pacote de batatas fritas. Abriu e ofereceu a Wellington que o empurrou de volta sem nem ao menos olhar. O olhar de Gusmão estava direcionado a Milena. Wellington sabia disso mas não imaginava o que ele faria.
- Num doce balanço a caminho do mar... - Cantarolou com felicidade na voz.

Wellington abriu a boca para interrogá-lo, no entanto, sua voz não saiu. A tristeza que estava sentindo por ver Eliza e Priscila aos prantos naquele cemitério era cortante, e lhe provocava sentimentos que jamais sentira.

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