Capítulo 6

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Entrei em pânico automaticamente. Ele não me pode reconhecer. O rapaz olhava-me atentamente enquanto andava em passo calmo até ao balcão dando-me a possibilidade de absorver cada um dos seus traços. Um rosto fino, no entanto belo, lábios finos e um cabelo castanho puxado perfeitamente para o lado. Só me consegui concentrar em atende-lo do modo mais correto quando este proferiu um simpático "Bom dia". A sua voz era suave. Questionei-me a mim mesma como é que eu não tinha reparado em tais características.

Atrapalhadamente, limpei as mãos ao pano mais próximo e sorri-lhe levemente.

"Bom dia, em que posso ajudar?"

Ele pareceu pensar durante uns segundos enquanto olhava para a comida exposta, até que olhou para mim novamente.

"Queria este bolo, obrigado" - sorriu-me enquanto apontava para o que desejava e apreciei a sua atitude. Felizmente, não é o típico cliente rude. Respondi-lhe com um meio sorriso enquanto preparava o prato com o seu bolo. Ele olhava o café, parecendo observar os recantos do estabelecimento.

"Ouve, não leves a mal..." - Porra.

"Sim?" - Olhei-o fixamente.

"És a rapariga que me ajudou, certo?"

"No supermercado? Oh, sim." - Tentei mostrar-me calma. Uma ação um tanto impossível.

"Não me quero meter. Aliás, odeio fazê-lo, mas fiquei realmente preocupado."

"Oh, antes de mais, desculpa pelo que aconteceu. O Joshua é um pouco explosivo"

"Um pouco?" - riu-se para si mesmo, evidenciando a sua ironia.

"Okay, bastante. Contudo, não é necessário preocupares-te. Eu estou ótima."

"Sei que não é habitual contares a vida a um simples desconhecido, mas depois daquilo que eu assisti, não me podes dizer para não me preocupar. Aquilo não é normal numa relação." - Uma relação? Oh, há muito que já não é uma relação. Pelo menos, não uma relação saudável.

"Aquilo foi só uma explosão. Infelizmente, no sítio errado, e entendo que tal ato foi inconsciente. Mas ele é mesmo assim. Está tudo controlado" - disse em tom baixo.

Suspirou e assentiu, embora não parecesse minimamente convencido. Agradeço-lhe quanto a isso.

Pegou no prato e levou-o até a uma mesa, onde se sentou e, depois de se ajeitar, começou a comer.

Voltei a virar-me para terminar o trabalho ainda incompleto. Não queria que ele soubesse por uma simples razão: não o meter nesta situação. Não é agradável, e quero apenas manter a minha consciência livre de que não afundei ninguém comigo. Não quero nem vou fazê-lo e recuso-me sequer a considerar. Para além deste facto, outra razão é obviamente não o conhecer para lhe falar dos meus problemas.

Estava a concluir a minha tarefa quando o meu telemóvel começou a tocar no meu bolso. Retirei-o rapidamente e atendi, depois de ver o nome do meu namorado no ecrã.

"Sim?" - disse baixo.

"Onde estás?" - ele questionou e quase consegui imaginar a sua cara carrancuda a olhar para mim.

"A trabalhar, Joshua." - ele devia sabê-lo.

"Vem já para casa." - o tom com que ele falava era ameaçador, mas fechar o café não é obviamente uma opção.

"O quê? Não posso!" - olhei à volta e pude ver que só haviam dois clientes para além do rapaz com quem falara.

"Não gosto de me repetir, Leslie. Vem já para casa!" - os seus gritos tornaram-se mais altos, e sei que deveria realmente ir para casa, contudo, se o fizer, o mais provável é o meu despedimento.

"Não posso, Joshua! Estou a trabalhar!" - elevei a minha voz, visivelmente enervada com a situação.

"Se não estás em casa dentro de quinze minutos, vamos ter que conversar. Estou a avisar-te, Leslie."

"O quê? Não! Eu não posso fechar isto, Joshua! Estou responsável pelo café, se for para casa em quinze minutos, perco o emprego. Não posso fazer isso!" - quase gritei, sem sequer notar que perdera total controlo sob o tom da minha voz.

"Estás avisada." - e com isto, ele desligou. Ainda que tentasse chamá-lo antes que o fizesse, totalmente em vão.

Quando voltei a poisar o telemóvel, completamente envergonhada pelo sucedido, o moreno cujo nome ainda me é desconhecido, apontava algo num papel, sobre a mesa. Para além deste, só uma senhora olhava para mim, claramente admirada com o que provavelmente ouviu.

O rapaz voltou a levantar-se, aproximando-se do balcão com um prato numa mão e um pequeno papel na outra. Pousou o prato sobre o balcão e, pelo que deve ser a vigésima vez hoje, olhou-me atentamente.

"Olha,..." - fez uma pausa, enquanto mantinha o seu olhar preso em mim.

"Leslie." - afirmei.

"Olha, Leslie, deixo-te o meu número para o caso de precisares de algo. A sério, liga-me. Não me vou importar." - colocou o papel em cima do balcão.

"Eu não posso aceitar."

"Eu insisto. Por favor." - olhei os seus olhos, incrivelmente azuis e acabei por assentir, concordando com aquela ideia. Embora preferisse não o fazer.

"Obrigado. Liga-me se precisares. Estou a falar a sério." - ele avisou-me seriamente.

"Obrigada eu." - agradeci com honestidade.
"Já agora, sou o Louis." - ele disse com um sorriso na sua face e acenou, afirmando que tinha mesmo que se ir embora, pois estava com pressa.

Suspiro e agarro no papel, abrindo-o. Uma caligrafia descuidada que escrevia um número e um pequeno "Louis" a um canto. E espero realmente não ter que o utilizar.

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