Manoel Agostinho

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Carta de Manoel Agostinho à César Augusto. Hospital Colônia Santana, São José, SC. 21 de novembro de 1985.

Prezado Dr. César Augusto, suspeito que suas energias estão plenamente depositadas na pesquisa que você conduz com maestria. Entretanto, espero contar com o seu conhecimento da natureza humana e com a sua generosidade para desvendar o mistério em torno da minha condição.

Como você bem sabe, sou gago. Tenho a disfunção desde os meus nove anos, época em que minha avózinha percebeu o problema. Lembro muito bem daquela palavra, que ao final dos três minutos que levei para pronunciá-la havia se tornado um conjunto de no mínimo trinte e cinco sílabas precedido por um som nasal parecido com "hummm" que perdurou por um minuto e meio. Era um pronome comum e inofensivo, mas que hoje prefiro omitir tanto oral quanto graficamente, dado o nível destrutivo do meu trauma. Lembro principalmente da expressão de aversão da minha avózinha e dos meus familiares, que esperavam minha resposta para saciar seus interesses inexplicáveis e doentios em contabilizar potenciais parceiros sexuais das crianças da família. Depois que minha avózinha morreu, não tinha mais quem pudesse falar por mim, então fui revistado, preso e sentenciado para a Colônia antes mesmo que eu pudesse dizer meu primeiro nome. Tenho certeza de que você se lembra como eram as coisas por aqui naquela época.

Não sei se consigo me abrir por meio de uma carta dessa forma, mas se não o fizer,o farei como? Confio no senhor e sinto que essa talvez seja a última chance que tenho de me abrir e talvez encontrar consolo. Durante minha adolescência,enquanto ainda morava com minha avózinha, descobri que a solidão podia ser prazerosa. Por conta do preconceito, vivi durante anos uma rotina de silêncio e autoêxtase sexual com a ajuda de catálogos de produtos voltados para o mercado feminino. Consequentemente, desenvolvi um tipo de fobia social que me impossibilitava de construir relações íntimas com indivíduos do sexo oposto.Por isso, a solução do mistério em torno da minha disfemia permaneceu oculta até os meus quarenta e quatro anos, quando passei por minha primeira conjunção carnal. Foi num momento de puro prazer sexual que senti o impulso de gritar palavras que sequer deveriam ser proferidas por almas cristãs, muito menos serem registradas com tinta em uma carta com apelo psiquiátrico. Para a minha surpresa, Dr. Augusto, vi que estava curado! Pelo menos até atingir o clímax. Quando decidi que era hora de agradecer minha parceira e fazer a devida compensação monetária, percebi que a gagueira havia voltado. Deus, pensei, por que você me devolve a fala para logo depois tirar ela de mim novamente? Comecei a chorar desconsoladamente e minha parceira deixou o quarto com profissionalismo e discrição exemplares. De repente, tudo começou a fazer sentido. Agarrei o primeiro livro que encontrei, O Estrangeiro de Camus, e tratei de me estimular manualmente. Assim que estava devidamente excitado, comecei a ler a primeira página e, para o meu espanto, as palavras soaram com um ritmo e leveza que eu nunca havia ouvido antes. Então eu entendi: o autoerotismo é e sempre foi acura para a minha disfunção. Como você pode ver, até nisso fui amaldiçoado.Deus me revelou o remédio, mas o remédio é tão repulsivo que não posso usá-lo para o meu bem. Tanto a doença quanto a cura me tornam inapto a viver em sociedade. Por isso pergunto, doutor, o que farei para me libertar dessas amarras impostas por uma sociedade preconceituosa e reprimida sexualmente? Temo que eu seja o único homem que sofra dessa condição e, por isso, me sinto cada vez mais sozinho. Gostaria de dizer muito mais, mas acabarei manchando a tinta dessa carta com as lágrimas que descem pelo meu rosto em enxurradas dignas das torrentes do nosso Rio Imaruí. Talvez numa próxima carta? O seu Manoel Agostinho, vulgo Gaguinho. Hospital Colônia Santana.

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