Zeferino Coutinho

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Zeferino Coutinho, entrevistado por César Augusto em viagem organizada pelo Hospital Colônia Santana para reintegrar internos à sociedade. Siderópolis, SC. Abril de 1985.

Você tem aí toda essa região morta aqui ao redor, né? Essa coisa que depois do carvão nunca voltou a ser verde. Eu era perfurador na época, e o carvão ficava amontoado nesses campos aí. Anos depois, quando já tinha passado essa febre do carvão, várias famílias tentaram plantar, mas não conseguiram. O solo ficou ácido por causa da drenagem. A pirita oxida e destrói tudo. Agora é isso aí que você tá vendo. Parece a lua, não parece?

[Som de passos sobre pedras]

Pergunta. [Inaudível]

O Seu Tonho trabalhou comigo na época da mina Amália, você tinha que ver ele com os dinamites. Chamavam ele de Seu Tocha, porque ele sempre conseguia atear fogo nas bananas, mesmo quando o ar lá embaixo tava tão viciado que nem dava pra acender faísca. Diziam que ele acendia com os dentes. Mas ele começou a usar dinamite a sério mesmo em 63, 64, por aí...

Pergunta.

Não fez muita coisa não. Teve morte, sim. Ele explodiu um pedaço da Marion, mas isso já nos anos 70.

Pergunta.

[Risada] Marion não é gente não. É um demônio. Um demônio de aço de 60 metros de largura. Ela que comeu toda a terra aqui. Tá vendo essas crateras?

Pergunta.

Última vez que vi ele foi uns anos atrás. Cortaram o subsídio e o carvão passou a ser importado. As terras aqui se encheram de gente desempregada. E não é qualquer tipo de gente desempregada não. É mineiro desempregado. Sabe a diferença? É gente sofrida. Tá vendo aqui? Embaixo do olho? Isso aqui é rocha... Rocha da mina que tá aqui desde 78, enfiada aqui. Isso aqui é o toco de um dedo que o Seu Tonho cortou pra mim. Por isso eu consegui largar a mina antes, nem todo mundo tem essa sorte. Pneumoconiose, já ouviu falar? Aqui se espalha que nem gripe. Você sabe que tá no meio de mineiro quando ouve essa tosse que parece que sai da boca junto com o próprio eco, sabe? E depois tem a morte. Na época das vilas que a carbonífera construiu era enterro de criança e adulto em fila indiana, jovem, por causa da água, diziam...

Pergunta.

[Tosse]

No dia que ele foi mandado embora, ele se aproximou de mim com a mão estendida e com aquele sorriso dele, sabe? Nenhum dente da frente. Carregava nas costas uma mochila velha. Ele não disse nada, só tirou a mochila das costas e me mostrou uns quinze quilos de dinamite enfiado ali. Eu perguntei o que que ele queria com aquilo. Ele só disse que ia dar fogo e ficou repetindo aquilo. Não sei como que ele tá agora, mas ali eu vi que o Seu Tonho não era mais ele mesmo, me entende? Depois vi ele seguindo o trilho junto com uma tropa de mineiro demitido, e eu sabia que pelo menos metade deles não iam parar na cidade. Eu sabia que eles continuariam seguindo os trilhos e se afastando cada vez mais da mina, sem nem olhar pra trás. Alguns morreram porque, no fim, era embaixo da terra que eles queriam ficar, né?

[Risos; Tosse]

Quando se passa muito tempo lá embaixo você sente que começa a se atrair pelas coisas erradas, sabe? Depois de um tempo tu nem olha mais pra cara da Santa Bárbara... e não é porque a fé acaba... O mineiro simplesmente esquece o que ele queria pedir desde o começo. Seu Tonho só aguentou mesmo porque ele queria muito dar fogo em alguém...

Pergunta.

Não sei, não, pode ter sido algum patrão que ferrou com ele na época do golpe militar. Vingança. Ou nem isso, Seu Tonho é esperto... Alguns procuram a própria morte e a maioria acaba encontrando. Os mais espertos desviam o caminho dela... Da morte. E o Seu Tonho é o filho da puta mais esperto que eu e o diabo já vimos lá embaixo. [Risada nostálgica].

Maria Juliana Darós, almoçando no refeitório do Hospital Colônia Santana, São José, SC. Pendente. Gravação fonográfica apreendida em operação de busca e apreensão da Polícia Federal. Aguardando liberação das provas. Outubro de 1985.

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