Capítulo Dois

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   Meus problemas de ansiedade começaram ainda no útero da minha mãe. Nasci prematura. Andei e falei cedo demais. Aprendi a ler frases completas aos quatro anos, quando todas as crianças da minha turma ainda não entendiam muito bem como duas letras eram combinadas para formar um único som. Durante a ceia de Natal eu já meditava sobre o que ia pedir de presente no ano seguinte. Eu era boa nessa coisa de querer tudo antes da hora e passar noites em claro pensando em algo que só iria acontecer dali a muito tempo, o que me rendeu horas intermináveis em psicólogos e unhas roídas até a vaidade finalmente falar mais alto e salvá-las.

   Dessa vez, contudo, não tive o gostinho de rolar na cama esperando o despertador tocar para o dia finalmente começar. Dormi imediatamente, o que frustrou todos os planos de aproveitar a televisão de setecentos mil canais e a infinidade de espumas coloridas que eu poderia desperdiçar na banheira. Também acordei tarde, o terror dos terrores, mas Agnes me garantira que o café da manhã só seria servido às dez e que ninguém tinha marcado nenhum compromisso antes do almoço justamente para que pudéssemos dormir depois de uma sexta-feira puxada.

  Desci antes do horário para causar uma boa impressão, o que eu não tinha feito muito bem no dia anterior. No fim das contas, acompanhei a chegada de quase todo mundo enquanto Agnes ia, gentilmente, me dizendo os nomes e algumas pequenas apresentações.

  Blaine chegou no horário exato, numa pontualidade que, eu estava percebendo aos poucos, era sua marca registrada. E embora todos os homens ali se vestissem quase da mesma maneira e parecessem tirados de uma mesma forma, um único olhar era suficiente para perceber quem era o chefe. Dois outros sócios estavam ali, mas Blaine se encaixava no cargo como se tivesse sido treinado desde sempre.

  Não achei muito educado falar da vida alheia com ele chegando, e Agnes parecia pensar a mesma coisa quando ficou em silêncio subitamente. Previ que ele se sentaria na frente de Ethan e estava correta, o que o deixou relativamente perto de mim. De repente as colunas jônicas não eram mais a única coisa que eu achava realmente bonita no salão.

- Bom dia, Alec. Agora que temos sua ilustre presença as conversas ficarão ainda mais interessantes, suponho - falou Ethan, com uma provocação evidente na voz. A mesa estava cheia mas apenas o outro sócio presente tinha se dirigido a ele até então.

- Café primeiro. Conversas depois - Blaine ensaiou uma arqueada de sobrancelhas, suavizando a expressão logo em seguida. Viva a cafeína, meus caros.

  Alguns instantes passaram em silêncio, eu me perguntando se valia a pena comer outro croissant e Blaine correndo os olhos pela mesa sem se servir novamente.

- Você ainda não apresentou a garota, Alexander - observou o homem de ascendência híndi cujo nome eu tinha problemas em guardar.

- Naveen, essa é a senhorita Lancaster. Lancaster, esse é Naveen Reyansh, um dos meus sócios. Aproveitem a companhia um do outro porque não irão se ver futuramente a não ser que seja estritamente necessário. E não me olhe com essa cara, Ethan, eu vou continuar desagradável enquanto estiver com fome.

- E se eu bem te conheço, você não vai comer porque tudo nessa mesa contém carne - observou Ethan.

- Exatamente. Por que os espanhóis têm essa necessidade de colocar presunto em tudo?

- Eu acho - Ethan começou, engolindo um grande pedaço de pão sem mastigar direito - que você deveria ser multado por vir aqui todos esses anos e nunca ter experimentado uma paella.

  Ele deveria ser multado por não conhecer a melhor construção do país, pelo amor de Deus.

- Você tem ideia de quantos animais precisam morrer para você comer a sua maldita paella? - Blaine comentou suavemente.

Carpe NoctemOnde histórias criam vida. Descubra agora