Capítulo Oito

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Uma pessoa mais íntegra se sentiria culpada por bisbilhotar, suponho. Eu não entendia a sensação, pelo menos não até o momento em que Blaine me procurou para saber se eu poderia ir até a sala dele ao fim da avaliação. A culpa me atingiu em cheio. Duvidava muito que ele soubesse que eu ouvira a conversa; duvidava até que ele tivesse alguma noção de que não estava sendo tão discreto quanto deveria ter sido. Era só a perspectiva de ficar perto dele, e possivelmente sozinha, que me incomodava.

Blaine foi educado como de praxe. Surpresa nenhuma nisso. Apenas minha neurose permitia que toda a sua seriedade e gentileza fosse traduzida em ''eu sei o que você fez com o meu filho'', ou ainda, ''ninguém te ensinou a não ouvir atrás da porta?''. Claro que ele não seria cortês daquela forma se realmente soubesse, mas eu era um cachorrinho assustado.

Consegui olhar sua sala com mais minúcia dessa vez. Menos formal e previsível do que eu esperaria para alguém naquela posição. Sem dúvidas funcional e sofisticado, mas muito criativo, à seu modo. Ele tinha uma estante preta ocupando quase toda a parede direita, grandes portas de vidro que levam à varanda atrás de sua mesa e um espaço composto por um sofá cor de chumbo e uma mesa de centro. Eu podia facilmente imaginá-lo imerso ali, numa versão ampliada e menos colorida do meu quarto, fazendo croquis e projetando edifícios maravilhosos.

Antes de falar, ele repuxou os lábios no quase sorriso de sempre.

- Pedi para que você viesse aqui porque tenho alguns documentos que precisam ser traduzidos antes de chegarem à Barcelona.

Por meio segundo pensei em me fingir de sonsa e perguntar o porquê de a Agnes não poder fazer o serviço, sendo muito mais capacitada que eu. No entanto, existiam maneiras melhores de conseguir as informações que eu queria, e não fui estúpida o bastante para trazer à tona um assunto que estava apenas começando a entender, numa situação na qual Blaine parecia pisar em ovos.

- Certo. Quanto tempo tenho? - perguntei, invés disso.

Ele se reclinou para trás na cadeira, analisando meu rosto, visivelmente satisfeito com a minha disposição. Os botões de sua camisa se repuxaram levemente no abdome, e eu fingi não reparar.

- Uma semana deve ser suficiente - ele respondeu, remexendo nas gavetas e tirando uma pasta de elásticos.

Blaine me ofereceu o mesmo preço por hora que eu recebera como intérprete, assumindo que eu demoraria uma hora por página. Quando vi o tamanho do documento, quase chorei de êxtase. Alguém teria dinheiro para um par novo de scarpin esse mês.

- Não espero que você o faça sem consultar alguma fonte, mas sou obrigado a pedir que assine um termo de confidencialidade antes de começar - Blaine disse. Por algum motivo, não respondi. - Nenhuma pergunta?

Bem, eu nem ia falar nada...

- É sobre a inauguração da nova sede?

As feições dele endureceram.

- Sobre a questão com Hayes, para ser mais específico. Andei conversando com Cavanaugh e decidimos adotar algumas providências - ele abriu a pasta e começou a virar as páginas. - Você já tomou ciência de que não temos aprovação para tal, e esse é um dos motivos pelos quais preciso que você me prometa sigilo.

- O senhor não acha que isso pode criar alguma complicação com Ethan e os outros? - perguntei, censurando-me em seguida. Ficava muito mal chamar Ethan pelo primeiro nome, anda que o próprio tivesse pedido?

- É possível - ele admitiu. - Pensei bastante nisso também. Mas a verdade é que eles se negam a aceitar que algo esteja saindo errado por debaixo dos panos, e as medidas que estamos tomando não desrespeitam minha sociedade com eles. No fim das contas, vale correr o risco.

Carpe NoctemOnde histórias criam vida. Descubra agora