Capítulo Onze

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Algumas coisas na vida são incompráveis.

Um orgasmo, uma risada boa de doer a barriga, tomar banho de chuva, segurar uma xícara de café quente no inverno, voltar de uma viagem longa e poder usar o próprio banheiro. São coisas que você jamais poderia pagar, porque o valor delas está além de qualquer definição.

Assim como a porra da privacidade que eu achava que tinha até o dia anterior.

Estava tudo muito bom para ser verdade, parando para pensar. A melhor amiga arruma uma desculpa e um colchão qualquer fora de casa. Durmo com um rapaz. Não há nenhum despertador ligado me arrancando do sono sem piedade. Tudo esplêndido, certo?

Até Rachel irromper no meu quarto aos berros, em algum momento entre as dez e as onze da manhã.

Dei um pulo de susto tão brusco que Carter rolou para o lado, arrancando o cobertor no ato.

- Eu te odeio - gritei, mais porque foi o primeiro pensamento que me surgiu mesmo. Aquela vagabunda não sabia bater na porta?

Ela olhava para nós dois com a expressão animada e assustadora daquelas crianças psicopatas que maltratam bichinhos. Como a Felícia. E no caso, eu infelizmente era um dos ratinhos.

Que pelo menos fosse o Cérebro. Compartilhávamos o mesmo senso de grandeza.

- Eu te odeio - fui repetindo a cada vez que ela começava a exclamar como nós éramos seu casal preferido do momento. Para Rachel, era como se minha reação tivesse sido boa. Ela parecia inabalável.

Carter estava muito ocupado tentando não mostrar nenhum pedaço revelador de pele, fosse da minha ou da dele, desconcertado e inutilmente alisando repetidamente uma coberta que já estava no lugar.

- Finalmente! Meu OTP - ela bateu palmas. - Não acredito! Foi legal? Vocês se divertiram?

Não, eu tinha feito sexo porque sabia que ia ser chato mesmo. Sempre rola comigo.

- Por tudo que é sagrado, Rachel, cala a sua boc...

- Sabe, o Declan fez uma social incrível ontem. Uma das melhores, te juro. Mas aposto que vocês aproveitaram bastante sozinhos - ela soltou, mal respirando entre uma palavra e outra. - Na próxima vocês vão, não vão? Agora que já chegaram nos finalmentes podem parar de bancar o casal antissocial e sair mais com a gente.

Olhei para Carter com os olhos arregalados, silenciosamente implorando que ele me ajudasse a tirá-la dali o mais rápido possível e virasse meu cúmplice para amarrá-la em trilhos de trem.

Amizade é amizade, mas não é porque eu a amava que precisava gostar dela o tempo todo.

- Hmm, Rachel. Por que você não espera a gente trocar de roupa lá na sala? - ele pediu, com a voz docinha, docinha. Claramente forçada. Mas, aleluia.

Antes de sair, ela me lançou um olhar provocante e superior, deixando bem claro que o comportamento exagerado fora exclusivamente para me envergonhar até o último fio de cabelo.

- Vai ter troco - soprei entre dentes.

Ela nem se importou e eu continuei ultrajada, embora não houvesse mais o que fazer em relação a isso.

[...]

Rachel tinha que ter algum grau de hiperatividade, ainda que pequeno. Tinha que ter. Não era humanamente possível uma pessoa achar tão abominável a ideia de passar uma mísera noite no próprio apartamento. Não era normal alguém começar a encarar as paredes como se estivesse num confinamento cruel e perpétuo. Ela estava sem programação na noite de sábado e ia contatando desesperada todos os seus extensos círculos sociais, na esperança de que alguém fosse sair. Uma vez que a grande maioria já tinha ido à festinha do Declan no dia anterior, as opções iam ficando escassas. Eu a observava de longe e com cautela, prevendo o momento em que ela furaria o chão depois de tanto andar em círculos.

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⏰ Última atualização: Jun 09, 2017 ⏰

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